Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1027/22.7T8AGD-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
OPOSIÇÃO À PENHORA
ADMISSÃO LIMINAR
FIANÇA
Nº do Documento: RP202403191027/22.7T8AGD-C.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O caso julgado formal significa que a decisão, transitada em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, impedindo o juiz de repetir ou contrariar nos autos uma anterior decisão.
II - O despacho meramente tabelar de admissão liminar da oposição à penhora não aprecia quaisquer questões processuais ou substantivas, razão pela qual não forma caso julgado formal.
III - O credor pode optar por demandar o fiador conjuntamente com o devedor principal ou isoladamente, em acção autónoma.
IV - Não assiste ao fiador, por não ser dono do bem onerado com garantia real, o direito de se opor à penhora dos seus bens sem que antes se reconheça a insuficiência da garantia do bem pertencente ao devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º1027/22.7T8AGD-C.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunta: Márcia Portela

Adjunta: Lina Castro Baptista


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

“A..., SARL”, na qualidade de cessionária, instaurou a execução apensa contra AA, BB, CC e DD com base em dois contratos de abertura de crédito, celebrados por escritura pública, entre a cedente “Banco 1..., S.A.” e a sociedade “B... -Lda.”, sendo os Executados fiadores.

Em resumo, nos termos dos mencionados contratos, a cedente concedeu à referida sociedade, a seu pedido e no seu legítimo interesse, dois empréstimos, sendo o segundo com hipoteca, destinando-se ao investimento e relativamente ao qual os executados se confessaram devedores. Para garantia das obrigações emergentes do contrato celebrado declararam os ora Executados que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Exequente em consequência do empréstimo contratado, não tendo a sociedade devedora cumprido com as obrigações que assumiu nos aludidos contratos, nomeadamente não tendo pago, na data dos respetivos vencimentos nem posteriormente, as prestações a que se obrigou para reembolso do capital, despesas e juros.

A Exequente instaurou execução (n.º 1495/21.0T8AGD) contra a sociedade “B... -Lda.”, com fundamento nos contratos de crédito acima aludidos.

No âmbito da execução apensa foram penhorados os reembolsos de IRS, no montante global de € 1.519,76, conforme consta no auto de penhora de 22/05/2023.

Os Executados deduziram o presente incidente de oposição à penhora alegando as exceções da litispendência, ilegitimidade, benefício de excussão prévia, a violação do art.º 752.º do CPC e da boa fé.

Foi proferido o seguinte despacho:

 Admito liminarmente o incidente de oposição à penhora.

Notifique o exequente para, querendo, em 10 dias, deduzir contestação à mesma – artigo 785/2 e 293/2 do Código de Processo Civil.

Notifique e dê conhecimento à Sr.ª Agente de Execução.


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A Exequente contestou.

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Proferiu-se sentença que apreciou os fundamentos apresentados pelos Opoentes e decidiu que “a oposição à penhora não tem cabimento no disposto no artigo 784.º do Código de Processo Civil, quanto às duas primeiras questões suscitadas e é manifestamente improcedente, quanto ao terceiro, quarto e quinto pontos alegados.

Assim, indefiro liminarmente a oposição à penhora por falta de fundamento legal para o efeito e por manifesta improcedência ao abrigo do disposto no artigo 732.º1, alíneas b-) e c-) do Código de Processo Civil, aplicável "ex vi" artigo 785.º do mesmo diploma legal.”


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Inconformados com a sentença, os Executados interpuseram recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

I. A decisão que indeferiu liminarmente a oposição à penhora deduzida pelos aqui apelantes é ilegal e injusta, na medida em que faz uma incorrecta interpretação e aplicação do Direito.

Violação de caso julgado – indeferimento liminar da oposição à penhora

II. No dia 05/06/2023 foi proferido douto despacho com a Ref.ª 127771714, no apenso que corre termos no Tribunal Judicial de Aveiro – Juízo de Execução de Águeda sob o nº 1027/22.7T8AGD-C, admitindo liminarmente a oposição à penhora deduzida pelos aqui recorrentes, despacho esse que transitou em julgado, sendo aplicável ao processamento do incidente o disposto no art.º 785º, cujo nº 2 remete para os nºs 1 e 3 do art.º 732º e para os art.ºs 293º a 295º, todos do CPC.

III. Os recorrentes foram surpreendidos com a sentença objecto do presente recurso, a qual veio indeferir liminarmente a mesma oposição à penhora anteriormente admitida, o que se consubstancia numa manifesta contradição de caso julgado anterior, em violação do disposto nos artºs 620º, 625º, 785º, nº 2, 732º, nº 1 e 295º, todos do CPC, excepção dilatória prevista na al. f) do art.º 577º do mesmo Código, impondo-se a sua revogação, substituindo-se tal decisão de indeferimento liminar por outra que determine o prosseguimento dos autos, nos termos do art.º 295º do CPC.

Excepções dilatórias da legitimidade e da litispendência:

IV. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre as excepções dilatórias da litispendência e da legitimidade, oportunamente deduzidas pelos aqui recorrentes em sede de oposição à penhora, julgando que as mesmas não são atendíveis por não integrarem nenhuma das alíneas do art.º 784.º do CPC, entendendo que apenas poderiam ser deduzidas em sede de oposição à execução.

V. No plano factual, correm termos duas acções executivas distintas no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Águeda, ambas instauradas pela exequente com fundamento nos mesmos contratos de mútuo e respectivos títulos executivos, onde a exequente reclama as mesmas dívidas originais, uma sob o nº 1495/21.0T8AGD, onde é executada a sociedade mutuária, B..., LDA (B...), e outra sob o nº 1027/22.7T8AGD, onde são executados apenas os fiadores daquela sociedade (onde se integram os aqui recorrentes).

V. Ao instaurar aquela acção executiva nº 1495/21.0T8AGD, a exequente pretendeu fazer-se valer da garantia hipotecária que foi constituída a seu favor pela B..., sobre um bem imóvel que é propriedade desta sociedade mutuária e que se encontra na sua posse, não tendo a exequente alegado, sequer, o eventual reconhecimento da insuficiência daquele bem imóvel para garantir as responsabilidades reclamadas naquela acção executiva para vir, mais tarde, a instaurar a execução nº 1027/22.7T8AGD.

VI. O nº 1 do art.º 53º do CPC estabelece que “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tinha a posição de devedor”, e o art.º 54º do CPC estabelece os possíveis desvios à regra geral da legitimidade das partes na acção executiva.

VII. Da conjugação daquelas disposições legais, resulta que o exequente, quando pretenda fazer-se valer da garantia real constituída a seu favor, está obrigado a instaurar a execução contra o proprietário do bem dado de garantia, podendo (ou não) demandar, desde logo e na mesma acção, os demais responsáveis, pelo que à exequente não era legítimo instaurar uma acção executiva autónoma contra os aqui recorrentes, quando se encontra em curso uma acção onde deu aquela hipoteca à execução, pois não se encontra verificada (nem a exequente alega) nenhuma das situações de desvio à legitimidade passiva estabelecidas no art.º 54º do CPC, pelo que a acção executiva nº 1027/22.7T8AGD não se encontra conforme ao título no que respeita aos executados e aqui recorrentes, precisamente porque a B... não foi demandada nesta acção.

VIII. Esta ilegitimidade dos aqui recorrentes constitui uma excepção dilatória (art.º 577º, al. e) do CPC), na medida em que corresponde à ausência de um pressuposto processual essencial, não é susceptível de sanação ou suprimento, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição da instância, sendo de conhecimento oficioso (art.º 578º do CPC).

IX. A excepção da ilegitimidade é um meio de defesa de que o Tribunal pode e deve conhecer oficiosamente (art.º 608.º, nº 2 do CPC), sendo lícito ao demandado deduzi-la a todo o tempo, a coberto da última parte do nº 2 do art.º 573.º do CPC, não constituindo meio de defesa exclusivo do incidente de oposição à execução, pelo que, a decisão aqui em crise, na parte em que faz referência à dita excepção, viola as disposições conjugadas do nº 2 do art.º 576º, da alínea e) do art.º 577º e do art.º 578º, todos do CPC, devendo ser revogada nessa parte, substituindo-a por outra que julgue verificada a excepção da ilegitimidade dos executados e, em consequência, absolvendo os aqui recorrentes da instância.

X. Por outro lado, estamos perante duas acções instauradas pela exequente que são idênticas quanto ao pedido e à causa de pedir, apenas não se verificando a integral identidade quanto aos sujeitos – embora haja coincidência na sua qualidade jurídica – porque a exequente, não obstante pretender fazer-se valer daquela garantia hipotecária constituída a seu favor, optou por instaurar uma outra acção executiva apenas contra os fiadores, os quais garantem as mesmas dívidas originais, fazendo-o, como se viu, em manifesta violação dos já mencionados nº 1 do art.º 53º e art.º 54º, ambos do CPC.

XI. A excepção da litispendência é, igualmente, um meio de defesa de que o Tribunal pode e deve conhecer oficiosamente (art.º 608.º, nº 2 do CPC), não dependendo da sua dedução pelas partes, pelo que a decisão aqui em crise, na parte em que faz referência à dita excepção, viola as disposições conjugadas do nº 2 do art.º 576º, da alínea f) do art.º 577º e do art.º 578º, todos do CPC, devendo ser revogada nessa parte, substituindo-a por outra que julgue verificada a excepção da litispendência e, em consequência, absolvendo os aqui recorrentes da instância.

Violação do disposto no art.º 752.º do CPC:

XII. Na decisão aqui em crise, o Tribunal a quo entendeu não ser aplicável o disposto no nº 1 do art.º 752º do CPC, fazendo constar que, “pese embora a dívida original seja garantida por hipoteca, a execução da hipoteca não se encontra em curso no âmbito da presente ação.”

XIII. Ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 752º do CPC, os bens dos aqui recorrentes só responderão pelo valor que, eventualmente, venha a apurar-se estar ainda em dívida, depois de eventualmente reconhecida a insuficiência do imóvel da B..., onerado com hipotecas constituídas a favor da exequente, para garantia específica do pagamento das obrigações reclamadas nas acções executivas nº 1495/21.0T8AGD e nº 1027/22.7T8AGD, circunstância que funciona como verdadeira condição legalmente imposta para que a exequente possa avançar com a penhora dos bens dos aqui recorrentes.

XIX. A obrigação do fiador não perde a sua qualidade acessória, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 627º do Código Civil, e mesmo considerando que essa característica acessória não permitirá aos fiadores beneficiar da excussão prévia dos bens da devedora principal, manter-se-á quanto aos limites do exercício da garantia pela credora, que deve respeito ao princípio da boa-fé, traduzida na “normalidade comportamental” expectável, que no processo executivo apontaria para que a exequente aguardasse pelo eventual reconhecimento da insuficiência do bem onerado com garantias reais para a satisfação integral dos seus créditos e, só depois, recorresse aos bens dos aqui recorrentes e dos demais fiadores para alcançar o fim da execução.

XX. É que, apesar de os recorrentes serem principais pagadores, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, na prática o carácter acessório da sua responsabilidade encontra-se salvaguardado pelo disposto no nº 1 do art.º 752º do CPC, ao estabelecer a ordem da penhora de bens para a satisfação do crédito da exequente, sendo que os bens dos recorrentes apenas responderão pela dívida exequenda se (e quando) vier a concluir-se pela insuficiência do bem imóvel onerado com garantia real específica relativa às dívidas exequendas reclamadas nas duas acções executivas supra identificadas.

XXI. Deste modo, é forçoso concluir que se encontra preenchida a hipótese da al. b) do nº 1 do art.º 784º do CPC, o que também fundamenta a oposição à penhora deduzida pelos recorrentes, norma que o Tribunal a quo entendeu não ser aplicável ao caso em apreço, simplesmente porque a execução da hipoteca não se encontra em curso na acção executiva nº 1027/22.7T8AGD, quando isto apenas ocorre porque a exequente optou por instaurar duas execuções distintas para cobrança das mesmas dívidas originais, e isto mesmo depois do Tribunal a quo reconhecer que tais dívidas originais se encontram garantidas por garantias reais constituídas sobre um bem da sociedade devedora originária.

XXII. Com a decisão proferida, o Tribunal a quo violou a norma do nº 1 do art.º 752º do CPC, esvaziando-o de qualquer efeito e sentido práticos, ao entender que aquele dispositivo só seria aplicável se a execução da garantia real ocorresse no mesmo processo executivo, condição que nem sequer se pode extrair da letra daquela norma, pois o que se pretende com tal dispositivo é, isso sim, nos casos em que o exequente pretenda fazer-se valer da garantia real constituída a seu favor, e independentemente da acção em que se execute essa garantia real, a penhora sobre outros bens, sejam estes do devedor ou de terceiros, só poderá verificar-se depois de reconhecida a insuficiência daqueles bens onerados com garantia real, o que manifestamente ainda não ocorreu no caso em apreço.

XXIII. Ao proferir a sentença aqui em crise, o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas do nº 1 do art.º 752º e da al. b) do nº 1 do art.º 784º do CPC, permitindo desse modo que a exequente proceda à penhora prematura de bens dos aqui recorrentes, sem que previamente se verifique aquela condição legalmente estabelecida, de reconhecimento da insuficiência dos bens onerados com garantia real e pertencentes à sociedade devedora para obter o fim da execução, devendo por isso revogar-se a decisão também nesta parte, substituindo-a por outra que que determine o imediato levantamento da penhora sobre os reembolsos de IRS dos aqui recorrentes, constante no Auto de Penhora de 22/05/2023.


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A Embargada apresentou resposta concluindo da seguinte forma:

A)As presentes contra-alegações vêm no seguimento do recurso interposto pelos Recorrentes, da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a fls., datada de 10/10/2023, que “indeferiu liminarmente a oposição à penhora por falta de fundamento legal para o efeito e por manifesta improcedência ao abrigo do disposto no artigo 732.º1, alíneas b-) e c-) do Código de Processo Civil, aplicável "ex vi" artigo 785.º do mesmo diploma legal”.

B)Com o devido respeito, não poderá a Recorrida concordar com o alegado pelos Recorrentes, conforme infra melhor se discriminará.

C)Vêm, os Recorrentes, invocar que a sentença objeto do presente recurso, na parte em que indeferiu liminarmente a oposição à penhora, viola o disposto nos artigos 620.º, 625.º, 785.º, n.º 2, 732.º, nº 1 e 295.º, todos do CPC, o que se consubstancia na exceção de caso julgado.

D)A sentença proferida pelo Tribunal a quo, andou bem, pois os fundamentos alegados pelos aqui Recorrentes, não se enquadram nos fundamentos previstos para oposição à penhora, previstos nos termos do artigo 784º do CPC, mas sim nos fundamentos de oposição à execução.

E)Relativamente, à alegada violação do caso julgado do despacho liminar que admitiu a oposição à penhora, é unânime e pacifico na doutrina e jurisprudência, que em sede de despacho saneador ou mesmo de sentença final, o indeferimento da oposição não viola o despacho liminar proferido.

F)O Tribunal a quo, apenas admitiu “liminarmente” a oposição para efeitos do andamento do processo com vista notificação da aqui Recorrida, relegando para momento posterior – após a apresentação de contestação – a apreciação da matéria vertida na oposição à penhora.

G)Deste modo, no despacho liminar, não houve uma efetiva apreciação da questão substantiva, pelo que, não houve qualquer violação do caso julgado.

H)Em segundo lugar, quanto à exceção de legitimidade e litispendência, dispõe o artigo 580.º, n. º1, do CPC o seguinte “as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência”.

I)A finalidade desta exceção é evitar que o Tribunal, em casos em que exista uma identidade de sujeitos, de causa de pedir e do pedido, seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

J)Ora, in casu, na ação executiva que corre nos autos principais, não há identidade de sujeitos, na medida em que, apenas foram executados os fiadores, não tendo estes sido demandados no processo 1945/21.0T8AGD.

K)Termos em que, não ser verificando a existência dos requisitos cumulativos que pressupõem a litispendência, a mesma deverá ser julgada totalmente improcedente.

L)Por outro lado, quanto à questão da legitimidade, nos termos do artigo 53.º, n. º1, do CPC, que respeita às regras especiais da legitimidade nas ações executivas, é referido o seguinte: “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor”.

M) No caso em concreto, estamos perante obrigações solidários, e a este respeito preceitua o artigo 512.º, n. º1, do Código Civil, o seguinte: “A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles”

N)Ora, transpondo a solidariedade para o campo da legitimidade processual, sempre se dirá que, estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário passiva, previsto no artigo 32.º do CPC.

O)Dispõe o artigo 32.ºdo CPC o seguinte: N. º1: “Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados, mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados; N. º2: Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.

P)Ora, atentas as características da fiança e a renúncia ao benefício da excussão prévia, o mesmo é dizer que a Exequente tinha o poder de decidir se queria demandar conjuntamente os devedores – mutuário e fiadores – ou separadamente.

Q)Tal legitimidade para demandar separadamente os fiadores do mutuário decorre das próprias normas legais subjacentes à fiança.

R)Decorre do artigo 641.º, n. º1, do CC o seguinte: “o credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor (…)”.

S)Concluindo-se, portanto que, não houve qualquer preterição ou violação das normais legais, respeitantes à legitimidade para demandar numa ação executiva – separadamente - os fiadores.

T)Por fim, quanto à questão da aludida violação do disposto no artigo 752.º do CPC, a Recorrida sufraga o entendimento do Tribunal a quo, na medida em que, embora a divida emergente da operação executada seja garantida por garantia real – hipoteca - nesta execução apenas foram demandados os fiadores, correndo a execução sob a forma ordinária.

U)Esta norma, é aplicável aos casos em que é penhorado o imóvel garantido por hipoteca e os demais devedores ou garantes pessoais.

V)No caso em concreto, a execução em que é executada a garantia real, encontra-se em curso sob o processo n.º 1945/21.0T8AGD, na qual apenas é demandada a sociedade devedora e proprietária do imóvel dado de garantia.

W)Nos presentes autos, foram demandados de forma autónoma os fiadores, não existindo qualquer impedimento ao imediato prosseguimento da execução que vise a penhora dos bens patrimoniais dos fiadores.

X)Termos em que, o Tribunal a quo, interpretou de forma correto e aplicou o Direito e as normas aplicáveis, não merecendo qualquer reparo ou censura.


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II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se foram violadas as excepções de caso julgado (por ter sido liminarmente admitida a oposição à penhora) e de litispendência, se os Executados são parte ilegítima e se foi violada a regra sobre a ordem de penhora por se tratar de dívida com garantia real.


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III—FUNDAMENTAÇÃO (dão-se por reproduzidos os actos processuais acima descritos)

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IV-DIREITO

No presente recurso cumpre iniciar a nossa análise pela invocada excepção do caso julgado formal.

Advogam os Recorrentes que, tendo sido liminarmente admitida a oposição à penhora, a decisão posterior que indefere a oposição em relação a dois dos fundamentos aduzidos a esse respeito viola o efeito do caso julgado.

Do Caso Julgado

No art.º 620.º, n.º 1 do C.P.C.  o legislador consagrou a noção de caso julgado formal ao prescrever que “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”

Esta força obrigatória dentro do processo significa que o juiz está impedido de repetir nos autos uma decisão de cariz processual, o que pressupõe o trânsito em julgado da primitiva decisão.

O caso julgado material impõe que a decisão sobre a relação material controvertida fique a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 792.º, como estabelece o art. 619.º, n.º 1 do CP.Civil.

Sobre esta temática, Teixeira de Sousa refere que “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...).Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente.”[1]

Na verdade, as excepções do caso julgado e da litispendência visam evitar que um dos tribunais ou o mesmo tribunal, como referem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora,[2] “venha a contradizer ou a reproduzir (…) a decisão do outro (ou a sua anterior decisão).”

No que concerne especificamente ao despacho liminar de admissão da oposição à penhora ou mediante embargos e subsequente despacho a ordenar a citação para a parte contrária contestar, tem sido reiteradamente declarado que não preclude a possibilidade do juiz apreciar os pressupostos (formais ou materiais) na sentença.

No despacho inicial apenas compete ao juiz fazer um juízo meramente liminar sobre se estão verificados, perante os elementos de que dispõe, os pressupostos plasmados na lei, para que possa ordenar o prosseguimento do processo.

Nesta conformidade, a admissão meramente tabelar do requerimento apresentado pelo devedor, por não se exigir da parte do juiz, nessa fase processual, qualquer apreciação jurídica sobre as questões (processuais e substantivas), não constitui caso julgado formal, sendo possível, ulteriormente, questionar a legalidade do procedimento e discutir as excepções que se suscitem (cfr. arts. 613.º e 620.º do C.P.C.)

Neste sentido, interviemos como 1.ª adjunta e a aqui 2.ª adjunta também nesta posição, nos acórdãos n.ºs142/22.1T8OVR.P1 e 7042/20.8T8PRT-A.P1[3].

No referido primeiro processo, foi sumariado, de forma clara, o seguinte[4]:

“1- Não tendo, sobre uma questão concreta colocada, havido pronúncia, expressa ou implícita, não há caso julgado a respeito da mesma.

2- O despacho de citação não forma caso julgado (formal) sobre a s questões que poderiam justificar o indeferimento liminar da petição inicial.”

Mais recentemente, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 25/05/2023[5], sobre a mesma questão, e na linha da jurisprudência dominante, esclareceu que “O despacho liminar de admissão, que não aprecie em concreto as questões previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 732.º, n.º 1 do CPC, é um despacho meramente tabelar. Nele não se decide, definitivamente, as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais e das excepções dilatórias correspectivas, apenas assegurando o prosseguimento do processo para a fase seguinte, pelo que não forma caso julgado formal no processo.”

Como bem refere a Recorrida, não houve uma efetiva apreciação da questão substantiva na fase inicial do processo.

Assim, o juiz não estava impedido de considerar, como aconteceu, que dois dos fundamentos não tinham cabimento no artigo 784.º do Código de Processo Civil, e os demais eram manifestamente improcedentes.

No entanto, nesta fase, posterior à liminar, e não havendo necessidade sequer de produção de prova por apenas serem suscitadas questões de direito, não é correcto indeferir liminarmente mas sim julgar improcedente a oposição com esses fundamentos.

Aliás, não faria sentido fazer prosseguir o processo, como pretendem os Opoentes, por conduzir necessariamente à repetição da decisão de mérito.

Da Litispendência e da Ilegitimidade Passiva

Sustentam os Apelantes que se verifica uma situação de litispendência (e de ilegitimidade passiva) decorrente da pendência de duas acções executivas, ambas instauradas pela Exequente, uma delas contra a sociedade mutuária e a presente contra os fiadores, aqui Recorrentes.

Acrescentando, quanto à excepção de ilegitimidade, que não se encontra verificada nenhuma das situações de desvio à legitimidade passiva estabelecidas no art.º 54º do CPC, não sendo legítimo instaurar uma acção executiva autónoma contra os aqui Recorrentes.

Na sentença, considerou-se, e na nossa perspectiva acertadamente, como regra geral, que nenhum desses fundamentos integra qualquer das alíneas do artigo 784.º do Código de Processo Civil, “nem se prende com o decretamento ou não da penhora propriamente dita, no sentido de atingir ou não aqueles concretos bens, com que extensão os atinge ou devia ou não atingir.” E concluiu-se que “pretendendo os executados invocar as exceções da litispendência e da legitimidade, teriam através dos meios próprios da oposição à execução.”

O elenco dos fundamentos que a lei admite no incidente de oposição à penhora está previsto no artigo 784.º, n. 1, als. a) a c) do CPC.

Lebre de Freitas[6] qualifica estes casos de “impenhorabilidade objectiva visto ser pressuposto que os bens penhorados pertencem ao executado.”

Por conseguinte, é manifesto que as excepções suscitadas nesta sede de oposição à penhora não fazem parte dos argumentos que podem ser esgrimidos pelo executado contra o acto de penhora mas tão-só na oposição mediante embargos de executado.

Porém, como estamos perante excepções de conhecimento oficioso, cumpre proferir decisão a esse respeito.

Na litispendência, como no caso julgado, é necessária a verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir-cfr- art. 581.º, n.º 1 do CPCivil.

Ora, em ambas as execuções falta, desde logo, a identidade de sujeitos do lado passivo. Nesta execução, os Executados são os fiadores e naquela, a Exequente demandou a principal devedora, a sociedade.

Não sendo as partes as mesmas nos dois processos executivos, nem sequer sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica pois nesta execução pretende-se obter coercivamente a satisfação dos créditos dos fiadores, que se responsabilizaram pelo pagamento, não se verifica a repetição das causas-v. arts. 580.º e 581.º, n.º 2 do C.P.Civil.

Relativamente à arguida ilegitimidade passiva, o artigo 53.º, n.º 1 do C.P.Civil dispõe que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.

Pela simples leitura das escrituras que titulam os acordos de concessão de crédito (títulos executivos) resulta que os Recorrentes declararam que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Exequente em consequência do empréstimo contratado. não tendo a sociedade devedora cumprido com as obrigações que assumiu nos aludidos contratos, nomeadamente não tendo pago, na data dos respetivos vencimentos nem posteriormente, as prestações a que se obrigou para reembolso do capital, despesas e juros.

Assim, a sua legitimidade, face ao teor dos títulos executivos, é manifesta, inexistindo qualquer imposição legal no sentido de serem demandados os devedores (principal e fiadores) no mesmo processo executivo.

Pelo contrário, nos termos do art.º 641.º, n.º 1 do CC, assiste ao credor o direito de demandar o fiador só ou juntamente com o devedor, ainda que aquele goze do benefício da excussão.

Da violação da Ordem de Prioridade da Penhora

Por último, os Recorrentes, apesar de serem principais pagadores, por terem renunciado ao benefício da excussão prévia, entendem que, na prática, “os seus bens só responderão pela dívida exequenda se (e quando) vier a concluir-se pela insuficiência do bem imóvel onerado com garantia real específica relativa às dívidas exequendas reclamadas nas duas acções executivas supra identificadas.”

Com esta argumentação defendem encontrar-se preenchido o fundamento de oposição à penhora constante da al. b) do nº 1 do art.º 784º articulado com o art.º 752.º do CPC, ou seja, advogam que os seus bens só podem ser objecto de penhora na hipótese de insuficiência do imóvel hipotecado na execução movida contra a sociedade.

Segundo a referida alínea b) do n.º 1 do art. 784.º do CPC, o executado pode opor-se à penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda.

Nas palavras de Rui Pinto[7] “Trata-se, portanto, tanto da penhora de bens em responsabilidade subsidiária objectiva como de bens em responsabilidade subsidiária subjectiva, maxime, de bens do fiador.

Prescreve o artigo 752.º do CPC que “1- Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.

Esta norma estabelece uma obrigatoriedade na ordem de penhora quando a dívida tem garantia real, só sendo permitida a penhora noutros bens após a verificação da insuficiência do bem onerado para satisfazer o crédito exequendo, não se exigindo, para esse efeito, a venda.

No caso em apreço, não assiste aos Executados, na qualidade de fiadores, o direito de exigir que seja constatada a insuficiência do bem onerado com hipoteca, como pressuposto da validade da penhora sobre os seus próprios bens, por duas razões essenciais:  a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida não é subsidiária por terem renunciado ao benefício de excussão, e principalmente não são proprietários do bem onerado com a garantia, condição necessária para que pudesse operar a ordem de prioridade da penhora estabelecida no citado preceito legal.

Neste sentido, em relação ao avalista, o Ac. TRP de 17/12/2014[8] observa que “(…) o estatuído nos arts. 697º, do CC e 752º, nº 1, do CPC, não têm aplicação nos autos, uma vez que tais disposições legais pressupõem que a garantia real onere bens pertencentes ao devedor, e no caso em apreço o oponente é avalista, e, como tal, obrigado directo, mas não é devedor principal, nem dono da coisa hipotecada.

Mais recentemente, a jurisprudência tem mantido esta orientação considerando que “(…) a prioridade na penhora dos bens onerados com garantia real só é conferida ao próprio devedor, não podendo beneficiar desse regime condevedores executados; em relação aos condevedores, nada obsta que se penhorem imediatamente os seus bens, sem necessidade de aguardar pela execução dos que se encontrem onerados com garantia real.

 Por conseguinte, aos condevedores executados não se aplica, entre si, o regime inserto no artigo 752.º/1, do CPC.”[9]

Em suma, os valores penhorados, pertencentes aos Executados, não respondem subsidiariamente pela dívida quer em execução autónoma ou quer numa execução conjunta com a sociedade devedora, razão pela qual deve confirmar-se também nesta parte a sentença.


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V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença, com a correcção no sentido da total improcedência da oposição à penhora.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.


Porto, 19/3/2024
Anabela Miranda
Márcia Portela
Lina Baptista
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[1] O Objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ 325, 171, citado no Ac. Rel.Coimbra de 28.09.2010, in www.dgsi.pt.
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 301.
[3] Não publicado.
[4] Rel. João Diogo Rodrigues, publicado na www.dgsi.pt.
[5] Rel. Rui Manuel Pinheiro de Oliveira, publicado em www.dgsi.pt; v. ainda Ac.STJ de 10/07/2008 (rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) Ac. TRL de 18/01/2022 (rel. José Capacete) e Ac.T.G de 10/09/2020, ambos publicados no dito site.
[6] A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 6.ª edição, pág. 317 e segs.
[7] A Acção Executiva, 2018, AAFDL, pág. 678.
[8] Rel. Caimoto Jácome; v. ainda TRL de 19/11/2019 (rel. Carlos Oliveira) disponíveis em www.dgsi.pt
[9] Ac. de 11/03/2021 (rel. Isabel Peixoto Imaginário) do TRE, que cita o Ac. de 09/11/99 (rel. António Geraldes) do TRC, disponíveis em www.dgsi.pt.