Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2740/23.7T8VNF.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PEAP
NULIDADE DO DESPACHO LIMINAR DE ADMISSÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE APROVAÇÃO DE PLANO DE PAGAMENTO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
UTILIZAÇÃO FRAUDULENTA DOS PROCESSOS PRÉ-INSOLVENCIAIS
MENOR FAVORABILIDADE PARA O CREDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Destinando-se o primeiro despacho a proferir no processo especial para acordo de pagamento à emissão de um juízo sobre a reunião, ou falta dela, dos pressupostos para prosseguimento dos autos, resulta da natureza liminar dessa apreciação (sem prévio exercício de contraditório e que se pretende sumária e célere) que a mesma deverá assentar exclusivamente na alegação inicial do próprio devedor e nos documentos que o mesmo junte.

II. Sendo o despacho liminar de admissão do processo especial para acordo de pagamento legalmente irrecorrível (de forma conforme com o entendimento de que, nesta fase, não há vencidos e de que não se afecta, relevante e definitivamente, a posição dos credores), não poderá proceder a arguição de nulidade que se lhe faça com o exclusivo fundamento de que não se mostravam reunidos os pressupostos de prosseguimento dos autos.

III. Decidir se, plausivelmente, um credor fica em situação menos favorável com a aprovação de um plano de pagamento do que na ausência dele, impõe um juízo de prognose comparando o que receberia (em que montante, em que tempo e por que forma) se o referido plano fosse aprovado e o que receberá na ausência dessa aprovação (nomeadamente, com o recurso aos meios coercivos normais para obter a cobrança do seu crédito, ou num cenário de liquidação universal do património do devedor, face à sua eventual e futura insolvência).

IV. O credor que obteria, em alguns meses, o pagamento integral do seu crédito de capital, acrescido do pagamento integral do seu crédito de juros (vencidos e vincendos), fica numa posição menos favorável com o acordo de pagamento que preveja apenas a satisfação de 30% do seu crédito de capital, em prestações mensais invariáveis de € 71,55, sucessivas ao longo de mais de oito anos (com o perdão total do remanescente de 70% do seu crédito de capital e da totalidade do seu crédito de juros).

V. Tendo o requerente de um processo especial para acordo de pagamento património suficiente para permitir a satisfação integral dos créditos de todos os seus credores, o plano que depois aí se aprove, permitindo-lhe a conservação do dito património e impondo aos seus credores comuns (que representam mais de 93% do universo de todos aqueles) o perdão de 70% dos seus créditos de capital e da totalidade dos seus créditos de juros, desvirtua, completa e inaceitavelmente, a ratio do dito processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., freguesia ..., concelho ... (aqui Recorridos), propuseram processo especial para acordo de pagamento (com o concurso de respectivo credor - CC, residente na Avenida ..., ..., concelho ...), pedindo que fosse promovida a sua tramitação.
Alegaram para o efeito, em síntese: serem casados entre si; encontrar-se o Requerente marido desempregado; ser a Requerente mulher doméstica e cuidadora informal dos respectivos pais, de 82 e 85 anos de idade, que lhe retribuem com uma mensalidade de € 500,00; auferirem mensalmente uma ajuda de familiares de € 250,00; e possuírem dívidas acumuladas de € 46.411,38 (contraídas no âmbito da exploração de uma oficina de automóveis que o Requerente marido possuiu e de empréstimos realizados por familiares), que não conseguem cumprir regularmente, por não terem liquidez, nem acesso ao crédito.
Mais alegaram acreditar poderem pagar o dito passivo, desde que o respectivo activo fosse rateado pelos seus credores e, simultaneamente, fosse negociado um plano de pagamento faseado que a todos abrangesse.
Por fim alegaram que, tendo dívidas suas sido judicialmente exigidas, só a celebração de um acordo de pagamento, com reestruturação do seu passivo, poderia evitar a respectiva insolvência.

1.1.2. Em ../../2023 foi proferido despacho, nomeando administrador judicial provisório e ordenando a citação dos credores identificados e dos demais interessados, nomeadamente para que reclamassem eventuais créditos.

1.1.3. Em ../../2023 o credor DD, residente na Rua ..., em ... (aqui Recorrente) veio arguir a nulidade do despacho inicial proferido, pedindo que fosse indeferido o processo especial para acordo de pagamento, por manifesta inexistência de todos o pressupostos legais respectivos.
Alegou para o efeito, em síntese, que sendo credor de € 23.850,00 (conforme reclamação de créditos que simultaneamente apresentou), os presentes autos mais não seriam do que um expediente para retardar o cumprimento da sentença judicial que obteve contra os Requerentes (AA e mulher, BB) e que, por incumprimento dos mesmos, executou judicialmente (identificando ambos os processos - declarativo e executivo - em causa).
Mais alegou terem os Requerentes (AA e mulher, BB) omitido e falseado junto do Tribunal a quo a completa e verdadeira situação patrimonial própria, já que os respectivos património (composto, nomeadamente, por um prédio urbano e por vários veículos automóveis) e rendimento (incluindo o vencimento mensal actual do Requerente marido, a trabalhar no estrangeiro) seria quatro vezes superior ao valor do seu passivo, não estando, por isso, em situação comprovadamente difícil e, muito menos, em situação de insolvência iminente
Alegou ainda ser o credor CC casado ou viver maritalmente, há mais de 10 anos, com EE, filha dos Requerentes (AA e mulher, BB), de quem tem dois filhos; e ser inexistente o pretenso crédito que invocou ou, pelo menos, ser subordinado e não comum.
Por fim, alegou ser ele o único credor dos Requerentes (AA e mulher, BB), e não também FF, por aqueles igualmente indicada nessa qualidade.
Defendeu terem sido, deste modo, violados, quer o art.º 222.º-A, quer o art.º 222.º-C, n.º 1 e n.º 3, al a), do CIRE, justificando o indeferimento liminar do pedido apresentado.
O credor DD juntou prova documental, nomeadamente caderneta predial relativa a prédio urbano inscrito em nome do Requerente marido, com o valor patrimonial de € 107.803,15, e cinco resultados de pesquisa de registo automóvel, com data de 31 de Janeiro de 2023, surgindo a Requerente mulher como proprietária inscrita de três veículos automóveis ligeiros e de um ciclomotor e o Requerente marido como proprietário de um veículo automóvel ligeiro; e arrolou cinco testemunhas.

1.1.4. Em ../../2023 o Administrador Judicial Provisório juntou a lista provisória de créditos, sendo nela reconhecidos como credores DD (crédito total de € 23.850,00, comum), Autoridade Tributária e Aduaneira (crédito total de € 228,57, privilegiado), Banco 1..., S.A. (crédito total de € 986,30, garantido), Centro Hospitalar ..., EPE (crédito total de € 152,91, comum), CC (crédito total de € 15.000,00, comum), Instituto de Segurança Social, I.P. (crédito total de € 3.101,14, privilegiado) e FF (crédito total de € 10.000,00, comum).

1.1.5. Quer o Administrador Judicial Provisório, quer os Requerentes, pronunciaram-se sobre a arguição de nulidade feita.

1.1.5.1. Em ../../2023 o Administrador Judicial Provisório foi «de parecer que nenhuma nulidade se verifica».
Alegou para o efeito, em síntese, que o facto do activo ser superior ao passivo não impediria o recurso ao processo especial para acordo de pagamento; e outro tanto suceder com a eventual natureza de crédito subordinado do credor subscritor da declaração inicial, por ele reconhecido como comum (por ter sido apresentado como tal na petição inicial, sem prejuízo de posteriormente não ter sido reclamado pelo próprio titular), a justificar, quanto muito, eventual impugnação pelo credor DD da lista provisória de créditos.

1.1.5.2. Em ../../2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) pediram que a arguição de nulidade fosse julgada improcedente, prosseguindo o processo especial para acordo de pagamento os seus trâmites normais.
Alegaram para o efeito, em síntese, terem indicado no seu requerimento inicial o prédio urbano referido pelo credor DD, onerado, porém, com uma hipoteca e com uma penhora; e não terem relacionado quaisquer veículos automóveis por não serem proprietários dos mesmos.
Mais alegaram que apenas a insolvência actual permitiria o indeferimento liminar do processo especial para acordo de pagamento; e não ser esse o seu caso, relativo, sim, a uma situação de insuficiência económica que os impediria, no curto prazo, de cumprir as obrigações assumidas
Por fim, alegaram terem sido economicamente auxiliados, quer por CC, quer por FF, sendo, por isso, qualquer deles efectivo e respectivo credor.

1.1.6. Em ../../2023 o credor DD pronunciou-se sobre os documentos juntos pelos Requerentes (AA e mulher, BB) com a respectiva resposta, precisando que a hipoteca por eles invocada garantiria, no momento presente, um crédito de apenas € 986,30.
Enfatizou, ainda, não terem os Requerentes (AA e mulher, BB) impugnado os documentos juntos por ele próprio, demonstrando serem os Requerentes proprietários de quatro veículos automóveis e de um ciclomotor.

1.1.7. Em ../../2023 foi proferido despacho, indeferindo a arguição de nulidade feita, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
O credor DD veio a 14-6 requerer a nulidade do presente processo por o ativo dos devedores ser superior ao seu passivo e ainda por o credor subscritor da declaração inicial ser credor subordinado.
Notificados os devedores e o AJP, vieram pronunciar-se.
Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 222º-B do CIRE que para efeitos do PEAP encontra-se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Assim, não se requer a instauração de processo para acordo de pagamento por não se conseguir pagar aos credores, mas por se estar em vias de não o conseguir, quer por falta de dinheiro, quer por falta de crédito. Mesmo que se tenha bens de valor muito superior às obrigações cujo cumprimento pontual esteja a ser muito difícil.
Por outro lado, a invocada relação de credor subordinado do subscritor da declaração inicial não impede o requerimento do processo, como se pode constatar da leitura do artigo 222º-C, nº1 e 2 CIRE.
Pelo que a invocada nulidade improcede.
(…)»

1.1.8. O credor DD veio impugnar a lista provisória de créditos reconhecidos, pedindo que dela fossem excluídos CC e FF, defendendo serem os respectivos créditos inexistentes.
Alegou para o efeito, em síntese, não terem sido apresentados quaisquer documentos que os comprovassem, sendo que a validade dos alegados mútuos exigiria prova escrita; e não ter igualmente sido junto qualquer documento comprovando eventual comunicação à Autoridade Tributária para efeitos de informação em IRS, ou comprovando quaisquer transferências das contas bancárias dos alegados mutuantes.
Mais alegou existir uma relação de proximidade entre os Requerentes (AA e mulher, BB) e os ditos credores, sendo CC seu putativo genro e FF muito amiga e de relações próximas deste último, não tendo ainda capacidade económica para proceder a empréstimos.
Por fim, alegou que, nem CC, nem FF, reclamaram os seus alegados créditos.

1.1.9. Os Requerentes (AA e mulher, BB) responderam à impugnação de créditos referida, pedindo que CC e FF se mantivessem reconhecidos como seus credores.
Alegaram para o efeito, em síntese, as concretas despesas que os credores impugnados ajudaram a suportar; e juntaram conformes declarações de dívidas, subscritas pelos próprios.

1.1.10. Foi proferido despacho, indeferindo a impugnação de créditos de DD, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Assim, tendo em conta que o credor DD não apresenta qualquer prova dos factos que invoca, nem esta existe no processo, tem a mesma de improceder, com exceção da necessidade, que decorre da lei, de o contrato de mútuo superior a € 2.000,00 apenas ser válido se celebrado por escrito.
Assim, não foi junto qualquer documento de reclamação assinado pelo mutuário a validar o contrato de mútuo, mas os mutuários assinaram com os devedores documento que juntaram no início do processo a declarar que realizaram o mútuo. O que constitui forma e prova bastante, nos termos do artigo 1143º do CC.
Termos em que improcede a impugnação apresentada.
(…)»

1.1.11. Em ../../2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) apresentaram um plano de pagamento (que aqui se dá por integralmente reproduzido), onde nomeadamente se lê:
«(…)
ESTADO:

a) DOS CRÉDITOS DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Os créditos privilegiados da Autoridade Tributária e Aduaneira, consolidados à data do despacho da nomeação do AJP, face ao regime legal aplicável serão liquidados da seguinte forma:
• Pagamento da totalidade da dívida em 24 prestações.
• As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº 5 do artigo 222-D do CIRE.
• Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao estado e das custas devidas nos processos executivos;
• Dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 199.º, n.º 13, do CPPT.

b) DOS CRÉDITOS DO INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Os créditos privilegiados do Instituto de Segurança Social, IP, consolidados à data do despacho da nomeação do AJP, face ao regime legal aplicável serão liquidados da seguinte forma:
• Pagamento da totalidade da dívida em 36 prestações.
• As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no nº 5 do artigo 222-D do CIRE.
• Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao estado e das custas devidas nos processos executivos;
• Dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 199.º, n.º 13, do CPPT.

CRÉDITOS DO Banco 1..., SA:
• Quanto ao Crédito Hipotecário do Banco 1..., SA, propõe-se a consolidação do crédito à data do trânsito em julgado da sentença de homologação, e a manutenção de todas as condições contratualizadas, sem qualquer alteração.

c) CRÉDITOS COMUNS:
I. Os créditos dos restantes credores vencidos, à data de trânsito em julgado, da sentença de homologação do plano, correspondendo, o mesmo, ao montante de 46% do capital reclamado e reconhecido na Lista de Créditos.
II. Perdão de 70% do capital reclamado e reconhecido na Lista de Créditos.
III. Perdão total de juros vencidos e vincendos;
IV. A Amortização integral do capital em dívida será em 100 (cem) prestações, mensais e sucessivas, de igual valor, vencendo-se a primeira prestação, nos 30 dias após o trânsito em julgado.
V. Extinção de todas as ações suspensas, com a aprovação e homologação do plano ora proposto, conforme previsto pelo nº 1 do artigo 222.º-E do C.I.R.E.
(…)»

1.1.12. Em ../../2023 o credor Banco 1..., S.A.  (que sucedeu ao Banco 2..., S.A.), veio informar «para os devidos efeitos que já não detém o crédito reclamado e reconhecido, por este ter sido integralmente pago com o decurso do prazo do empréstimo».
 
1.1.13. Em ../../2023 o credor DD requereu a não homologação do plano de pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, ter votado contra o mesmo por não reflectir o património e os rendimentos dos Requerentes (AA e mulher, BB), que intencionalmente os omitiram, desse modo incorrendo numa violação não negligenciável de regras procedimentais aplicáveis.
Mais alegou serem os Requerentes (AA e mulher, BB) titulares de um património quatro vezes superior ao seu passivo, propondo, porém, um perdão de 70% do seu crédito de capital, um perdão da totalidade do seu crédito de juros vencidos e vincendos, e o pagamento dos remanescentes 30% do crédito de capital ao longo de oito anos, em cem prestações mensais, sucessivas e de igual valor; e, por isso, ficar ele próprio numa situação mais desfavorável com a aprovação do plano de pagamento proposto do que sem ele.
O credor DD juntou prova documental, nomeadamente: certidão da descrição predial do prédio urbano inscrito em nome dos Requerentes, sobre o qual se encontra inscrita uma hipoteca voluntária em benefício do Banco 2..., para «Garantia de Empréstimo», uma penhora da Fazenda Nacional, relativa à quantia exequenda de € 657,00, e uma penhora relativa ao seu próprio crédito,  sendo a quantia exequenda registada de € 18.700,00; e um auto de penhora, do processo n.º 1081/23...., do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sendo ele próprio exequente e os aqui Requerentes executados, e a quantia exequenda de € 18.700,00, com despesas prováveis de € 1.870,00, num total de € 20.570,00.
 
1.1.14. Em ../../2023 o plano de pagamento foi objecto de votação, por quórum deliberativo de 97,29% do total dos créditos reconhecidos; e foi aprovado por 57,23% dos votos emitidos, nenhum deles correspondentes a votos subordinados.

1.1.15. Em ../../2023 foi proferida sentença, homologando o plano de pagamentos, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
BB e AA vieram, ao abrigo do disposto no artigo 222º-C do CIRE intentar o presente processo especial para acordo de pagamento.
Concluídas as negociações, procedeu-se à votação do plano apresentado, tendo sido aprovado por quórum deliberativo de 97,29% e 57,23% dos votos emitidos em sentido favorável, todos correspondentes a créditos não subordinados.
Nos termos do disposto no artigo 215º do CIRE, aplicável por força do artigo 222º-F, nº5 CIRE, o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Dispõe o artigo 216º, nº1, al a) do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação se anteriormente à aprovação algum credor demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência do plano.
Tal não aconteceu.
Assim sendo, homologo por sentença o plano de pagamentos dos autos- artigo 222º-F CIRE.
Custas pelos devedores, com taxa de justiça reduzida a 1/4- artigo 302º, nº1 CIRE.
O valor da ação para efeitos de custas é o equivalente ao da alçada da Relação- artigo 301º CIRE.
Registe, notifique e publicite- artigos 37º e 38º do CIRE e 9º, al l) do DL 403/86 de 3-12.
Após trânsito, notifique os devedores e o AJP para se pronunciar sobre a sua remuneração- artigos 17º-I, nº2 e 32º a 34º CIRE.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado, quer com o despacho que indeferiu a arguição de nulidade relativa ao despacho inicial proferido nos autos, quer com a sentença que homologou o plano de pagamento, o credor DD interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogassem ambas as decisões recorridas.
                                    
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

A - RECURSO DA DECISÃO PROFERIDA AOS ../../2023 – REFª: ...53 - A QUAL JULGOU IMPROCEDENTE A NULIDADE DO PROCESSO QUE FOI INVOCADA E REQUERIDA NO REQUERIMENTO APRESENTADO NOS AUTOS PELO CREDOR RECORRENTE AOS 31/05/2023 – REFª: ...14-,

1 - No respectivo requerimento supra transcrito, deduzido pelo credor, aqui recorrente, foram invocados diferentes e distintos factos, bem como, diferentes questões de direito para serem objecto de apreciação e solução no Tribunal “a quo”, a saber:
- A omissão dos devedores requerentes ao não revelarem e não estribarem o processo com a indicação da totalidade do património imobiliário e mobiliário designadamente, o prédio urbano com o VPT de €.107.803,15, com o valor real e de mercado superior a €.240.000,00, e os 4 veículos automóveis inscritos e registados em nome da devedora esposa, com o valor de mercado cuja soma ascende ao valor mínimo de €. 15.000,00, conforme o invocado em nºs 6, 7, 8 e 9 do requerimento;
- A omissão dos devedores da indicação e comprovação do rendimento e vencimento que o requerente marido aufere como trabalhador no estrangeiro cujo vencimento terá de ser muito superior ao do salário mínimo nacional que poderia auferir se estivesse a trabalhar em Portugal, conforme o invocado em nºs 10, 11 do requerimento;
- Omissão de declararem que são os devedores proprietários de bens patrimoniais com soma muito superior ao do passivo, conforme o invocado em nºs 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 do requerimento;

Por outro lado,

- Invocou que os demais credores indicados pelos devedores, designadamente, o Pai dos netos dos devedores que vive maritalmente com a filha dos mesmos, não são verdadeiros credores daqueles, tendo sido inventados para que lhes permitisse virem a ter “quorum” para a aprovação de um Plano que permita contornar a força legal de sentença judicial transitada em julgado e que condenou aqueles ao pagamento de quantia pecuniária, conforme o invocado em nºs 25, 26, 27, 28, 29, 32, 33, 34 e 35 do requerimento;

2 - Analisando a decisão proferida em ../../2023, percebe-se, por um lado, que o tribunal “a quonão se pronunciou com clareza e de forma expressa e parece que não conheceu aquelas questões de facto que foram trazidas aos autos pelo credor/Recorrente, e que constituíam a “causa de pedir” do requerimento de arguição de nulidades.

3 - A decisão proferida e aqui recorrida não elenca como “provado”, ou como “não provado”, qualquer dos factos alegados no requerimento supra transcrito.

4 - Sendo certo que as omissões de expressa referência e “descrição da situação patrimonial, financeira, e reditícia dos devedores” - art.195 nº 2 al. b) do CIRE - e, designadamente, do património imobiliário e do património mobiliário - veículos - obviamente que está provada nos autos, como resulta da mera conferência do alegado no requerimento inicial do PEAP e dos documentos que são juntos com o mesmo.

5 - E como não há fixação da factualidade “provada” e, ou da factualidade “não provada”, também não existe na decisão qualquer fundamentação para a decisão reportada à matéria de facto que, manifestamente, não foi proferida.

6 - Ora salvo o devido respeito, tal opção do tribunal “a quo”, para além de fazer incorrer a decisão em manifesta omissão de pronúncia sobre questões que lhe foram colocadas e que deveria conhecer e sobre as mesmas pronunciar-se,

7 - Viola os princípios fundamentais que constituem os pressupostos para a instauração de um qualquer PEAP.

8 - Desvirtua os fins que estão subjacentes à lei que regula a possibilidade de um devedor se apresentar no Tribunal de Comércio no âmbito do PEAP para pedir a protecção do tribunal e o auxílio dos seus credores.

9 - O PEAP não se destina e não pode ter por fim permitir que devedores que são proprietários e possuidores de bens imóveis e de bens móveis cujo valor real e de mercado é superior em mais de quatro (4) vezes a soma do respectivo passivo, - seja o passivo verdadeiro, seja mesmo o engendrado - , decidam guardar e manter intocável o respectivo património e ao mesmo tempo forçar os credores a perdoar parte dos respectivos créditos - que em parte constituiu o património desses credores - ou a dilatarem por anos a fio a cobrança do que está vencido e é devido…!!!

10 - O tribunal não pode pactuar com esta total distorção de uso de uma ferramenta processual que visa a protecção de devedores que não conseguem fazer o pagamento das dívidas por falta de bens e/ou rendimentos, mas que no caso é usada para permitir tornar intocável qualquer parte do património imobiliário e património mobiliário dos devedores que os mesmos, avaramente, guardarão na totalidade para as suas conveniências, para os seus passeios, até para a sua ostentação,

11 - Esta opção, injustificável, tomada pelo tribunal “a quo” e este permitir o branqueamento da conduta abusiva e ilegal dos devedores não tem protecção legal e viola claramente o estipulado nos art.s 222º-A, 222º-B, 222º-C nº 3 al. b) e 24º nº 1 , e ainda o art. 195º nº 2 al. b) do CIRE.

Por outro lado,

12 - A já supra assinalada e invocada omissão de concretização na fundamentação da decisão de qualquer matéria de facto, “provada” ou “não provada” evidencia a violação da obrigação legal estipulada no nº 4 do art. 607º do CPC, tal como fica dificultado ou até impossibilitado que o tribunal “ad quem” possa sindicar a reapreciação do juízo valorativo que permitiu ao tribunal “a quo” decidir, como decidiu, a questão de facto e subsequentemente a questão de direito.

13 - Verifica-se desse modo que a decisão recorrida é omissa ou, pelo menos, deficiente, relativamente à fundamentação da matéria de facto, que nem elencada aparece, tão pouco sendo feito referência aos documentos que foram juntos aos autos com o supra citado requerimento que se encontra a fls._dos autos e os quais estavam reportados aos indicados pontos de facto para sua valoração.

14 - Deve o julgador pronunciar-se relativamente a todos os meios de prova produzidos e que no caso foram aqueles documentos juntos com o requerimento que o credor apresentou nos autos em 31/05/2023, com vista, para além do mais, a possibilitar o reexame e análise dos fundamentos da decisão - art. 607º nº 4 e 662º nº 2 al. d) do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE.

15 - O vício da falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto que afecta a decisão proferida deverá conduzir a que este Venerando Tribunal “ad quem” decrete a anulação da mesma, determinando que a MMª Juiz do tribunal “a quo” proceda à apreciação e pronúncia sobre a prova produzida nos autos e, depois, e com expressa referência, especificada e individualizada a cada ponto de facto e meio de prova em que se fundou, de forma crítica e fundamentada profira decisão de deferimento ou indeferimento das arguidas irregularidades e nulidades procedimentais - arts. 607º nº 4 e 662º nº 2 al. d) do CPC, “ex vi” do art. 17º do CIRE - “vide gratiae” neste sentido o Ac. TRGMR de 4/04/2019, in Proc. 2209/14.0TBBRG.G2 da 1ª Secção Cível.

SEM PRECINDIR,

OMISSÃO DA REALIZAÇÃO DE DILIGENCIAS PROBATÓRIAS

16 - O Tribunal “a quo” não providenciou pela produção dos meios de prova apresentados pelo credor no citado requerimento, nem deu a conhecer, fosse de que modo fosse, qual o fundamento para essa opção.

17 - Todavia, e como resulta dos autos, entre o dia ../../2023 e a data em que a decisão veio a ser proferida - ../../2023 - mediou tempo que poderia ter sido aproveitado para a produção da prova documental tal como para a produção da prova testemunhal.

18 - Salvo o devido respeito, também por isso a decisão proferida, ao dispensar/indeferir a realização de diligencia probatórias, omitiu acto processual com absoluta influência na decisão da causa, o que acarreta a nulidade da decisão respeitante à questão de facto e consequentemente da decisão final proferida – artigo 195.º, n.° 1 e segs. do CPC.

19 - Com essa opção o tribunal “a quo” recusou cumprir os princípios Constitucionais consagrados nos arts. 2º e 20º da Constituição e, muito particularmente,
a) Princípio do Estado de Direito Democrático - art. 2º da Constituição;
b) Princípio da Proporcionalidade - art. 2º da Constituição
c) Princípio da “Igualdade de Armas” - art. 20º da Constituição;
d) Princípio de Acesso aos Tribunais e da Tutela Jurisdicional Efectiva - art. 2º, 17º, 18º e 20º da Constituição;
e) Princípio do “Due Process in Law” - art. 20º da Constituição

20 - Por isso, atentos aqueles relevantíssimos Princípios Constitucionais, repercutidos nos arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 410º, 411º, 413º, 417º e segs. do CPC e, existindo a necessidade de apurar nos autos relevante factualidade, respeitante à existência ou não de elementos e pressupostos que permitam avaliar se o PEAP apresentado pelos devedores respeita as finalidades próprias do PEAP tal como a lei o regula ou se há um indisfarçável desvirtuamento dos fins que estão subjacentes à lei, é óbvio que os documentos juntos pelo credor e recorrente e os depoimentos das testemunhas indicadas, são elementos de prova idóneos a desvendar a factualidade invocada naquele supra citado requerimento, o que permitiria que logo no inicio do processo pudesse ser avaliado se está respeitado a finalidade do PEAP o qual se destina a permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento – art. 222º-A do CIRE -, pressupondo-se logica e necessariamente que o acordo é para pagamento de tudo o que for possível e não para, sem necessidade, se pagar menos do que o devido ou para, ficar com o resto para poupar ou para gastar no que ao devedor lhe apetecer… e, muito menos para esconder e guardar património imobiliário – prédios - ou mobiliário - veículos automóveis e motociclos - “ vide gratiae” neste sentido o Ac. do TRL de 7/06/2018, Proc.    453187/17.0T8VFX -2, in www.dgsi.pt .

21 - Aqueles documentos que não foram impugnados e, juntamente com a produção de prova testemunhal (o que é legalmente admissível - art. 392º do CC), consistente na inquirição de testemunhas indicadas, permitiriam ao tribunal aclarar e melhor decidir sobre as questões de facto e de direito trazidas aos autos pelo Credor - aliás, a prova documental, constituindo um princípio de prova escrita, como é o caso do documento sub judice, pode ser complementada pela prova testemunhal (neste sentido, “vide gratiae”, a título meramente exemplificativo e longe de ser exaustivo, os Ac. STJ, de 7 de outubro de 2003, de 9 de julho de 2014 e de 19 de maio de 2016, e do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de maio de 2005 - processo 0532737 -) .

22 - Pelo que, o Tribunal “a quo”, para além do supra invocado, também incorreu no vício de desprezar e/ ou impedir a produção de prova que lhe foi requerida pelo Credor e recorrente.

23 - Tendo presente as circunstâncias e o caso concreto que os autos evidenciam, deverá ser no equilíbrio e razoabilidade da regulação do direito à prova, que deve ser procurada a conciliação entre os inalienáveis princípios do direito ao acesso à jurisdição, do direito à tutela jurisdicional efectiva, do respeito pelo princípio da Igualdade de Armas, devidamente temperados com o princípio da duração razoável e útil do processo, processo esse que sempre deve buscar o conhecimento do âmago da verdade material por forma a permitir ao Tribunal a boa e certa decisão da causa.

24 - O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico com assento constitucional, consagrado no art. 20º da Lei Fundamental, como componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais e dele decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência (art. 413º, nº 1 do C.P.C.).

25 - E, por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes,   em seu benefício, dos meios de prova que mais lhes convierem e do momento da respectiva apresentação, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.

26 - Salvo o caso das provas nulas, o Tribunal deve servir-se de tudo quanto o processo proporcionar para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

27 - Pelo que, salvo o devido respeito, a decisão proferida, caso não seja revogada e alterada por outra que decrete a procedência das irregularidade e nulidades invocadas, com as devidas e legais consequências, ao omitir a realização das diligências probatórias é nula, devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, com a produção dos meios de prova requeridos.

ISTO POSTO,

B - RECURSO DA DECISÃO PROFERIDA AOS 2/10/2023 - REFª: ...56 - A QUAL HOMOLOGOU “O PLANO DE PAGAMENTOS DOS AUTOS” - REFª: ...56 -

28 - O credor Recorrente aos ../../2023, em comunicação dirigida ao Senhor AJP, mas que também foi enviada para o próprio processo, apresentou a sua declaração de voto contra a aprovação do Plano de Acordo de pagamento a credores que os devedores tinham feito publicar, para efeito de votação, no Portal Citius, conforme tudo melhor se alcança do requerimento apresentado nos autos aos ../../2023 - refª: ...31-.

29 - O credor aos ../../2023 – o anúncio da publicação no Portal Citius do acordo de pagamento foi feito no dia 14/09/2023 e o 10º dia a contar dessa data foi o dia 24 Domingo - apresentou no processo, com prova documental, e em obediência ao estipulado na última parte do art. 222º-F, nº 2 do CIRE requerimento explicando e   fundamentando, porque não podia o Plano apresentado e colocado à votação ser judicialmente homologado - refª: ...91.

30 - Sobre este requerimento e acerca de tudo quanto ali se invocou, uma vez mais a Senhora Juíza do Tribunal “a quo”, não ponderou e não se pronunciou, omitindo por completo essa primeira obrigação do julgador.

31 - E isto quando o Plano de Acordo de Pagamento a Credores, padece de total omissão da descrição da verdadeira situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor - art. 195º nº 2 al. b) “ex vi” do art. 222º-F nº 5 segunda parte do CIRE.

32 - É manifesta a ocultação pelos devedores, no Plano, do prédio de que são proprietários e sobre o qual já não incide o ónus hipotecário, dado terem pago a totalidade do crédito de que era titular o Banco 1..., S.A. - em razão de ter sucedido ao Banco 2... - prédio urbano esse com o VPT de €.107.803,15, com o valor real e de mercado superior a €.240.000,00descrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ... (...), ... e ... sob o art. ...58 e inscrito e descrito na C.R. Predial de ... sob o nº ...21.

33 - Padece ainda o Plano de ocultação pelo devedores, dos 4 veículos automóveis inscritos e registados em nome da devedora esposa, com o valor de mercado cuja soma ascende ao valor mínimo de €. 15.000,00.

34 - Padece o Plano da omissão da indicação e comprovação do rendimento e vencimento que o requerente marido aufere como trabalhador no estrangeiro.

35 - Por tudo isso, logo resulta que no âmbito do Plano os devedores não respeitaram a obrigação de estribar o mesmo em fundamentos fidedignos, revelando aos credores e ao tribunal qual o valor do património imobiliário de que são proprietários, o valor e a descrição dos veículos automóveis que lhes pertencem e ainda documentar o vencimento, quer do devedor marido, quer da devedora esposa.

36 - É absolutamente inaceitável e violador das melhores regras de lealdade e de verdade para com o processo, ou seja, para com o tribunal, e para com os credores que os devedores apresentem um Plano estribado meramente em generalidades, sem especificar, sem provar e omitindo património imobiliário, património mobiliário e os verdadeiros rendimentos que os mesmos auferem.

37 - Logo por aqui, como se demonstrou e o processo evidencia, resulta uma manifesta e ostensiva violação não negligenciável das regras procedimentais no que diz respeito à substanciação, fundamentação e lealdade na descrição do património e na enumeração dos rendimentos quer presentes quer na perspectiva de evolução futura.

38 - Tanto basta para ser fácil verificar que ocorre uma clara violação não negligenciável das aludidas regras procedimentais que foi invocada nos autos por credor que votou contra aos ../../2023 aplicação conjugada do disposto nos arts. 195º nº 2 al. b), c) e f), 215º “ex vi” do disposto nos arts. 222º-F nº 2 última parte do CIRE.

Por outro lado,

39 - O proposto no Acordo de Pagamento a Credores, quer na parte em que estipula um inadmissível perdão de 70% do capital reclamado e reconhecido na LPC, quer na parte em que estipula um inadmissível perdão total de juros vencidos e vincendos, quer ainda na parte em que estipula que o pagamento do valor remanescente e, no caso, ridículo de 30% do capital em dívida, será pago em 100 prestações, mensais, iguais e sucessivas de igual valor, ou seja, pretendem os devedores demorar mais de 8 anos para pagarem quantia que não chegaria, se tal lhes fosse admissível, a €.7.155,00 (23.850,00x30%=7.155,00).

40 - O que, nas ditas 100 prestações, daria a irrisória quantia mensal de €.71,55 (7.155,00:100=71,55).

41 - Agora, e conforme o credor Banco 1... veio informar - requerimento de ../../2023 e refª: ...28) - já está pago aquela quantia de €.986,30, pelo que, aquele fictício passivo global e total de €.53.518,92 está, pelo menos, reduzido a €.52.332,62.
 
42 - E isto quando para pagamento desta dívida global e atendendo apenas ao património imobiliário, são os devedores titulares e proprietários de um imóvel cujo valor patrimonial é mais de 4 vezes superior ao do total da dívida.

43 - Ou, se fosse tido apenas em vista o valor do VPT de tal prédio, sempre o mesmo seria mais de 2 vezes superior àquele valor total da engendrada dívida - como resulta da caderneta predial urbana junta aos autos o dito VPT é de €.107.803,15.

44 - Resulta daqui que o património imobiliário, somado ao património mobiliário dos devedores, permite com a maior das facilidades, e sem nenhum favor, que os mesmos, por força da venda voluntária ou coerciva desse património, paguem na íntegra e em prazo rápido, nunca mais de 3 meses, a dívida de capital e juros ao credor, tal como a todos os demais, quer sejam, quer não sejam, efectivamente credores.

45 - Resulta, assim, já demonstrado nos autos que, para o credor aqui recorrente, a situação patrimonial em que fica ao abrigo do plano é manifestamente mais desvantajosa ou desfavorável do que aquela em que ficaria na ausência de qualquer plano.

46 - O credor/Recorrente através da venda coerciva ou voluntária do imóvel que se mostra penhorado no âmbito da execução de sentença que tem em curso, consegue cobrar o seu crédito pela totalidade e em prazo muito curto.

47 - Se passassem a vigorar as cláusulas propostas no Plano, como supra já se demonstrou, o credor/Recorrente apenas receberia 30% do seu crédito, ou seja, €.7.155,00 e teria de esperar por 100 meses - o que equivale a mais de 8 anos - para, ao ritmo de uma irrisória quantia mensal de €.71,55, obter satisfação para o valor creditício que, por montante muito superior, lhe foi reconhecido por Sentença judicial, transitada em julgado e antes proferida pelo Tribunal Central Cível de Guimarães, conforme também nos autos já se demonstrou – art. 216º nº 1 al. a) “ex vi” do art. 222º-F nº 2 última parte do CIRE.

48 - Permitir  e  tolerar  ou  até  branquear  esta  lamentável  e  fora  de qualquer razoabilidade pretensão dos devedores corresponde a um total desvirtuamento e até uma desacreditação do que deve ser a justa interpretação do estipulado nos arts. 222º-A e segs. do CIRE em conjugação com os Princípios Constitucionais do Estado de Direito Democrático, da Proporcionalidade e da Confiança que os cidadãos devotam na interpretação dos dispositivos e mecanismos legais - art. 2º, 18º e 20º da Constituição e art. 9º nº 1 e 3 do CC.

49 - É também manifesto que, em nenhum caso, poderia ser homologado por violação flagrante do princípio da proporcionalidade o Plano apresentado nos autos pelos devedores, na medida em que o sacrifício imposto aos credores, particularmente aos que efectivamente são credores é muitíssimo superior ao sacrifício decorrente do cumprimento das obrigações dos devedores os quais, usam o presente processo e plano como ferramenta para não pagarem o que devem apesar de terem possibilidades e capacidades patrimoniais para o fazerem.

50 - Assim, e como documentalmente está demonstrado, o plano não podia ser homologado pelo tribunal como resulta da aplicação conjugada de todas as supra citadas normas legais e ainda do art. 216º nº 1 al. a) aplicável ex vi do art. 222º-F nº 2 do CIRE.

51- Salvo o devido respeito, a opção do tribunal “a quo” de homologar a aprovação do Plano sem atender e sem ponderar nada do que foi invocado naquele requerimento apresentado nos autos em ../../2023, para além de fazer incorrer a decisão em manifesta omissão de pronúncia sobre questões que lhe foram colocadas e que deveria conhecer e sobre as mesmas pronunciar-se,

52 - Viola os princípios fundamentais que constituem os pressupostos para a viabilização e homologação do Plano apresentado no âmbito do PEAP, desvirtuando os fins que estão subjacentes à lei que regula a possibilidade de um devedor se apresentar no Tribunal de Comércio no âmbito do PEAP para pedir a protecção do tribunal e o auxílio dos seus credores.

53 - O PEAP não se destina e não pode ter por fim permitir que devedores que são proprietários e possuidores de bens imóveis e de bens móveis cujo valor real e de mercado é superior em mais de quatro (4) vezes a soma do respectivo passivo, - seja o passivo verdadeiro, seja mesmo o engendrado - , decidam guardar e manter intocável o respectivo património e ao mesmo tempo forçar os credores a perdoar parte dos respectivos créditos - que em parte constituiu o património desses credores - ou a dilatarem por anos a fio a cobrança do que está vencido e é devido…!!!

54 - O tribunal não pode pactuar com esta total distorção de uso de uma ferramenta processual que visa a protecção de devedores que não conseguem fazer o pagamento das dívidas por falta de bens e, ou rendimentos, mas que no caso é usada para permitir tornar intocável qualquer parte do património imobiliário e património mobiliário dos devedores que os mesmos, avaramente, guardarão na totalidade para as suas conveniência, para os seus passeios, até para a sua ostentação,

55 - Impondo aos verdadeiros credores o sacrifício de não poderem cobrar os créditos a que têm indubitável e inalienável direito, o qual lhes foi conferido por sentença judicial transitada em julgado.

Pelo que,

56 - Salvo o devido respeito, a 1ª decisão recorrida e a Sentença homologatória do Plano, igualmente recorrida violou e, ou, interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto, por um lado nos arts. 607º nº 4 e 662º nº 2 al, d) do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE, e por outro lado, a aplicação conjugada dos arts. 2º, 18º e 20º da CRP, art. 9º nº 1 e 3 do CC, e, por outro, a aplicação conjugada dos art. 222º-A, 222º-B, 222º-C nº 3 al. b) e art. 24º nº 1, e ainda o art. 195º nº 2 al. b) e art. 216º nº 1 al. a) do CIRE
*
1.2.2. Contra-alegações

Os Requerentes (AA e mulher, BB) contra-alegaram, pedindo que se indeferissem totalmente os recursos interpostos e se mantivessem as decisões recorridas.......
.....
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo credor DD, duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É o despacho liminar de admissão do processo especial para acordo de pagamento nulo, por não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender o dito processo (nomeadamente, por o activo dos Requerentes ser superior ao seu passivo e por CC - alegado credor requerente - ser detentor de um crédito subordinado, e não comum), e por não ter discriminado qualquer matéria de facto provada e não provada, bem como por ter desconsiderado toda a prova arrolada  ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao homologar a aprovação do plano de pagamento quando não estavam reunidos os pressupostos legais para o efeito (nomeadamente, por violação não negligenciável de regras procedimentais - tendo, quanto à mesma, incorrido em omissão de pronúncia e falta de fundamentação de facto - e por a dita homologação colocar o credor DD em situação mais desfavorável do que aquela em que se encontraria na ausência de qualquer plano) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Processo especial para acordo de pagamento - Fase inicial

4.1.1.1. Consagração / Objectivo
Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que as alterações que introduziu ao CIRE (nomeadamente, aditando-lhe os art.ºs 222.º-A a 222.º-J, pertinentes ao processo especial para acordo de pagamento) se prenderam com a aposta «na credibilização do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação», reforçando-se «a transparência e a credibilização do regime» e desenhando-se «um PER dirigido às empresas, sem abandonar o formato para as pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes».
Com efeito, e até então, não estando previsto um processo especial de revitalização para pessoas singulares que não fossem comerciantes/empresários em nome individual (isto é, que não exercessem elas mesmas, e por si, uma actividade económica - como é o caso dos trabalhadores por conta de outrem e ex-membros de um órgão de administração societário), discutia-se se o PER se aplicaria, ou não, aos devedores que não fossem empresas [3].
A consagração do novo processo especial para acordo de pagamento (PEAP) pôs termo à questão, consistindo, porém, o mesmo, basicamente e tal como o PER, num regime pré-insolvencial para devedores não empresários (e não apenas pessoas singulares não titulares de empresas) [4], que tem como maior vantagem a «possibilidade de o devedor (…) obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente»; e, como «maior risco, (…) o de, depois de tudo, o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Para os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem» o PEAP «ou então manterem-se irredutíveis, caso em que o plano de» pagamento «não é aprovado e aquele risco» se poderá concretizar» (Catarina Serra, «Processo Especial de Revitalização - contributos para uma “rectificação”», ROA, Ano 72, II/III, pág. 716).
*
Ora, se se comparar o regime agora estabelecido nos art.ºs 222.º-A a 222.º-I do CIRE com o PER que lhe foi introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril (e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I), constata-se que aquele é praticamente decalcado deste.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «PEAP não é, na verdade, outra coisa senão “o PER dos não empresários”, configurando-se o seu regime como o regime do antigo PER deslocado para outra parte do Código» (Ac. do STJ, de 04.07.2019, Catarina Serra, Processo n.º 3774/17.6T8AVR.P1.S2) [5].

Contudo, e conforme «salientam Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág. 80, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP” (sublinhado e negrito nosso). Efectivamente, não se encontra neste artigo qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no art. 17º-A, nº1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento. Por esse motivo, também não se exige que o devedor obtenha uma certificação de que não se encontra em situação de insolvência actual, ao contrário do que está previsto para o PER”» (Ac. da RG, de 17.12.2018, Eugénia Cunha, Processo n.º 2844/18.8T8VCT.G1) [6].
Compreende-se que assim seja, já que os destinatários do PEAP não são «empresas cuja continuidade depende da possibilidade de economicamente serem recuperáveis» (Ac. da RP, de 11.07.2018, Fátima Andrade, Processo n.º 2408/17.3T8STS.P1).
Afirma-se, por isso, que, estando assente, «pelo cotejo entre os preceitos que regem sobre o PER e o PEAP que o principal elemento que os distingue é o de que a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP, basta atentarmos na respectiva tramitação subsequente para concluirmos que, no mais, as impressivas semelhanças devem levar a que, os demais princípios àquele processo especial aplicáveis, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efectuar, encontrem acolhimento neste» (Ac. da RE, de 22.02.2018, Albertina Pedroso, Processo n.º 494/18.8T8STB-A.E1, com bold apócrifo) [7].
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4.1.1.2. Pressupostos

Lê-se no art.º 222.º-A, n.º 1, do CIRE, que o «processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento».
Está-se, assim, perante um processo pré-insolvencial, com o qual se pretende prevenir ou evitar que o devedor passe, irremediável e definitivamente, a uma situação de insolvência, face às indesejáveis e gravosas consequências económicas e sociais dela resultantes [8]. Não deixa, por isso, de se surpreender aqui um cariz recuperatório [9].
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Precisando o que seja «situação económica difícil», lê-se no art.º 222.º-B do CIRE que, para «efeitos do presente processo», será aquela em que o devedor «enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito».

Precisando o que seja «situação de insolvência meramente iminente», dir-se-á ser aquela em que o devedor ainda não se encontra «impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas», já que esta é a definição de insolvência dada pelo art.º 3.º, n.º 1, do CIRE; mas em que está próximo de enfrentar essa impossibilidade [10].
Logo, a «iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível.
Haverá, pois, que levar em conta a expectativa do homem médio face à evolução normal da situação do devedor, de acordo com os factos conhecidos e na eventualidade de nada acontecer de incomum que altere o curso dos acontecimentos» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 87) [11].
«Como é evidente, se estamos a falar de insolvência iminente é porque nos encontramos já perante uma ameaça. Mas não basta um medo ou pavor por parte do devedor. É preciso que se trate de uma probabilidade objectiva», revelada precisamente pelo necessário «juízo de prognose, que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor», averiguando-se «qual a probabilidade de (…) não pagar as obrigações vencidas e as obrigações atuais não vencidas no momento em que se vencerem»; e se «for previsível que isso venha a acontecer, há falência iminente» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, págs. 55 e 56) [12].
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Precisa-se, porém, que o «PEAP não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, não é possível ficcionar uma solvabilidade do requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos» (Ac. da RP, de 15.11.2018, Mário Fernandes, Processo n.º 118/18.3T8STS.P1) [13].
Compreende-se, por isso, que se afirme a «possibilidade do controlo jurisdicional da verificação de uma situação económica difícil ou de insolvência iminente - o que implica a exclusão de uma insolvência actual - no devedor que lança mão do PEAP», já que outro entendimento «tornaria praticamente inútil a proclamação da necessidade desses requisitos - pois então seriam sempre os credores quem maioritariamente sobre ele se pronunciariam ao aprovarem ou rejeitarem o acordo» (Ac. da RC, de 13.11.2018, Freitas Neto, Processo n.º 1535/17.1T8CBR.C2) [14].
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4.1.1.3. Tramitação inicial - Despacho liminar

Lê-se no art.º 222.º-C, n.º 1, do CIRE, que o «processo especial para acordo de pagamento inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento».
Logo, e ao contrário do que se exige no art.º 17.º-C, n.º 1, do CIRE, para o processo especial de revitalização (em que o requerimento inicial do mesmo não pode ser subscrito por «credor ou credores» que estejam «especialmente relacionados com a empresa», tendo de o ser ainda por credores «que sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados»), aqui o credor ou credores requerentes podem, efectivamente, deter sobre o devedor créditos subordinados [15].

Mais se lê, no art.º 222.º-C, n.º 3, do CIRE, que o requerimento inicial do devedor deverá, não só ser acompanhado da declaração escrita do credor ou credores que o secundem na sua vontade de inicial o dito processo, como da lista de todas as ações de cobrança de dívida pendentes contra ele, do comprovativo da sua declaração de rendimentos, do comprovativo da sua situação profissional (ou, se aplicável, da sua situação de desemprego), e de cópias dos documentos de relação de todos seus os credores (com indicação dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais), bem como da relação de bens que detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual; e essa documentação ficará disponível na secretaria para consulta dos seus credores durante todo o processo.
*
Lê-se ainda, no mesmo art.º 222.º-C, que, recebido o requerimento, «o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 32.º e nos artigos 33.º e 34.º com as devidas adaptações» (n.º 4); e o dito despacho de nomeação «é irrecorrível» (n.º 5).
A partir desse momento, e durante todo o tempo em que perdurarem as negociações - e até à prolação dos despachos de homologação ou de não homologação (caso seja aprovado um plano de pagamento), ou até ao apuramento do resultado da votação, ou até ao encerramento das negociações (caso não seja aprovado o dito plano de pagamento) -, o devedor requerente fica a coberto da instauração, ou prosseguimento, de quaisquer acções executivas contra si, beneficiando ainda da suspensão de eventuais processos de insolvência em que a mesma ainda não tenha sido declarada (que se extinguirão logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento), bem como dos prazos de prescrição e de caducidade que poderá opor a outrem, e da proibição de suspensão da prestação de serviços públicos essenciais (conforme art.º 222.º-E, n.ºs 1, 7, 8 e 9).
Fala-se, assim, de «um período de standstill», que «possibilita ao devedor o espaço necessário para levar a cabo a sua recuperação (call the dogs off)», permitindo-lhe, «ainda que provisoriamente», (…) conservar o seu património, no decurso das negociações» (Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 413).

Contudo, embora a lei não preveja expressamente a possibilidade de um despacho liminar de não admissão do processo especial para acordo de pagamento, não existe aqui qualquer automatismo na sua (necessária ou inevitável) admissão liminar, o que desde logo seria incompatível com as normas prévias que estabelecem os seus requisitos formais e os seus requisitos materiais.
Assim, e nomeadamente, verificando o juiz a existência de excepções dilatórias insanáveis, ou o não preenchimento dos requisitos formais  (por incumprimento de prévio despacho de aperfeiçoamento a convidar ao seu suprimento), ou considerando que o pedido é manifestamente improcedente (nomeadamente, por resultar inequivocamente do requerimento o inicial que o devedor já se encontra numa situação de insolvência), deverá o mesmo indeferi-lo liminarmente [16].
Precisa-se, porém, que, conforme resulta da natureza liminar dessa apreciação, sem prévio exercício de contraditório por quem quer que seja, que o juízo a proferir (de prosseguimento, ou de não prosseguimento, do processo) terá de assentar exclusivamente na alegação inicial do próprio devedor, e dos documentos que o mesmo junte [17].
Esta pretensão da lei, de uma averiguação sumária e célere, é ainda acentuada pelo carácter irrecorrível do despacho de admissão liminar do processo (de forma conforme com o entendimento de que, nesta fase, não há vencidos e de que não se afecta, relevante e definitivamente, a posição dos credores), respeitando desse modo a natureza tabular do juízo nele ínsito (que, por isso, não produz efeito de caso julgado formal quanto à não verificação dos motivos que poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar) [18]. O contrário, porém, já sucede com o despacho de indeferimento liminar respectivo, esse naturalmente recorrível nos termos gerais [19].

Dir-se-á, porém, que a eventual desconformidade da apreciação liminar feita então poderá, nos casos mais graves, vir posteriormente a justificar, quando denunciada e provada, a eventual não aprovação do plano de pagamento, ou a não homologação da aprovação que, ainda assim, tenha ocorrido.
Com efeito, não se desconhece a possibilidade (não rara) de utilização fraudulenta dos processos pré-insolvenciais, nomeadamente pela simulação de relações de crédito, preferencialmente de montante relevado e com garantias reais; e «mesmo que o administrador judicial provisório desconfie da fraude na ‘invenção’ de créditos, realidade dos ditos créditos, dificilmente conseguirá suporte probatório para indeferir o crédito reclamado, vendo-se, portanto, obrigado a incluí-lo na lista provisória que, entretanto, se converte em definitiva, no caso de não haver impugnações»  (Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 416).
De seguida, assegurada a maioria necessária para a aprovação do plano (de revitalização ou de pagamento), logrará o devedor (e ainda que à margem do que seriam os requisitos materiais de recurso ao processo pré-insolvencional em causa) o seu próprio benefício, em prejuízo do dos seus credores.
Será então, naquela derradeira fase do processo, e já com a possibilidade de exercício de contraditório e de produção de prova, que a falta de requisitos materiais de recurso ao processo especial de pagamento, ou qualquer outro atropelo grave na sua tramitação ou utilização, poderão ser devidamente consideradas e sancionadas. 
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que os Requerentes (AA e mulher, BB) instauraram o presente processo especial para acordo de pagamento alegando não disporem de rendimentos, nem de crédito, que lhes permitissem pagar regularmente as dívidas acumuladas de € 46.411,38, sem prejuízo de o poderem vir a fazer desde que o respectivo activo fosse rateado pelos seus credores e, simultaneamente, fosse negociado um plano de pagamento faseado que a todos abrangesse; e que tendo dívidas suas sido judicialmente exigidas, só a celebração de um acordo de pagamento, com reestruturação do seu passivo, poderia evitar a respectiva insolvência.
Mais se verifica que foi de imediato proferido despacho, admitindo liminarmente o processo especial para acordo de pagamento e nomeando administrador judicial provisório.
Verifica-se, ainda, que, veio então o credor DD arguir a nulidade do dito despacho, já que teria sido proferido não existindo os requisitos e pressupostos do processo especial para acordo de pagamento, por os Requerentes (AA e mulher, BB) terem deliberadamente omitido e falseado perante o Tribunal a quo a sua verdadeira e completa situação patrimonial (não só omitindo a revelação total do respectivo património, como o seu valor real), bem como do seu passivo (identificando inexistentes credores, com os quais possuem relações próximas). Para o efeito juntou prova documental e arrolou testemunhas.
Por fim, verifica-se que, após o Administrador Judicial Provisório e os Requerentes (AA e mulher, BB) terem exercido o seu contraditório, foi proferido despacho, indeferindo a arguição de nulidade feita, sem a discriminação de quaisquer factos e a produção de qualquer prova.

Insurge-se, agora, o Recorrente (DD) fundando o seu recurso sobre o indeferimento da arguição de nulidade feita, quer em razões substantivas (de não reunião dos pressupostos para a instauração do presente processo especial), quer em razões processuais (de não discriminação na decisão sindicada dos seus fundamentos de facto, e bem assim de total desconsideração dos meios de prova que arrolara).

Contudo, e salvo devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão.
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4.1.2.1. Sindicabilidade do despacho liminar

Com efeito, e estando-se perante um despacho de admissão liminar do processo especial para acordo de pagamento, proferido tendo em conta exclusivamente o que fora previamente alegado pelos Requerentes (AA e mulher, BB) e os documentos por eles juntos, é o próprio Recorrente (DD) quem admite que os «devedores/requerentes omitiram e falsearam ao tribunal a sua verdadeira e completa situação patrimonial»; e ter a «admissão liminar do presente PEAP» ocorrido, por isso, «sem qualquer responsabilidade do decisor», «engando como foi».
Logo, o Tribunal a quo proferiu o despacho liminar no momento processual próprio, de acordo com os únicos elementos que a lei lhe facultava então para o efeito, e de forma conforme com os mesmos, isto é, fazendo fé na alegação inicial dos Requerentes (AA e mulher, BB) e nos documentos por eles juntos; e considerando, por isso, verificados os seus requisitos formais e substanciais (o que nem o próprio Recorrente contesta).
É, assim, apodítico que, no momento em que o despacho em causa foi proferido, o Tribunal a quo praticou o acto que a lei lhe impunha (despacho liminar), e de forma absolutamente conforme com o juízo que a mesma estabelece (de admissão do presente processo pré-insolvencial, face à aparente reunião dos seus pressupostos, substanciais e formais).
Inexistiu, por isso e nesse momento, a prática de qualquer acto que a lei não admitia, com relevância para a decisão da causa.
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Dir-se-á, ainda, que a posterior pretensão do Arguente (DD), de reconhecimento das falsidades e omissões que imputou ao requerimento inicial dos Requerentes (AA e mulher, BB), não sendo irrelevante para o desfecho dos autos, não poderia, porém, converter em nulo o dito despacho de admissão liminar do procedimento, com esse fundamento.
Recorda-se que, sendo o mesmo irrecorrível por força da lei, no que ao dito juízo perfunctório de reunião de pressupostos para prosseguimento dos autos diz respeito, admitir-se, com esse preciso fundamento, a arguição da sua nulidade seria esvaziar de sentido e efeito aquela imperativa estatuição legal.

Contudo, e em momentos e fases posteriores dos autos, as alegações feitas pelo credor Arguente (DD) não deixariam de ter de ser consideradas, nomeadamente face ao contraditório que merecessem e à prova que lograssem (incluindo aquela que ele próprio arrolou). 
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4.1.2.2. Consideração posterior nos autos da inexistência de pressupostos do processo especial para acordo de pagamento

Precisando, alegou o credor DD que: o património dos Requerentes (AA e mulher, BB) é muito superior ao seu passivo (tendo os mesmos omitido que o prédio urbano que arrolaram tem um valor patrimonial de € 107.803,15 e um valor real de mercado de, pelo menos, € 240.000,00, que são proprietários de quatro veículos automóveis e de um ciclomotor, que valem na sua totalidade, pelo menos, € 15.000,00, e que o Requente marido se encontra desde ../../2022 a trabalhar no estrangeiro, por um salário muito superior ao mínimo nacional); dois dos credores que indicaram são fictícios (CC e FF), sendo que aquele que subscreveu o acordo inicial para negociações mantém relações próximas com eles (já que CC é casado, ou unido de facto, com a filha dos Requerentes e pai de dois netos seus); e o presente processo pré-insolvencial visa apenas obviar ao pagamento do seu próprio crédito, já judicialmente reconhecido e exigido.

Ora, a inexistência de pressupostos materiais para a instauração do presente processo para acordo da pagamento (nomeadamente, a ausência de qualquer situação económica difícil, ou de uma situação de insolvência meramente iminente), dolosa e intencionalmente omitida pelos Requerentes (AA e mulher, BB), por forma a, fraudulenta e ilegitimamente, o instrumentalizarem em seu benefício, deveria ser verificada no momento da futura homologação de eventual aprovação de acordo de pagamento que se verificasse (a que aquele credor tivesse manifestado a sua oposição); e após a produção da prova arrolada pelo credor DD.
Tendo, de facto, ocorrido a aprovação de um plano de pagamento, tendo essa aprovação sido homologado pelo Tribunal a quo, e tendo o Recorrente (DD) impugnado igualmente essa sua decisão, a ela voltaremos depois, apreciando então a sua correcção.
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Já relativamente ao carácter fictício de credores identificados pelos Requerentes (AA e mulher, BB), ou à real classificação dos seus créditos, deveria essa alegação ser reiterada em sede de impugnação do prévio reconhecimento que merecessem pelo Administrador Judicial Provisório, como de facto o foi.
 Precisa-se, porém, que, tendo sido depois proferida decisão, julgando improcedente a dita impugnação, e tendo a mesma transitado em julgado, a qualidade de efectivos credores nos autos de CC e de FF, bem como a natureza comum dos seus créditos, deixou de poder ser sindicada nos autos, nomeadamente no presente recurso (conforme art.º 619.º, do CPC).
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4.1.2.3. Falta de discriminação da factualidade provada e não provada e desconsideração da prova arrolada
Dir-se-á, por fim, que, sendo irrecorrível o despacho liminar de admissão do processo especial para acordo de pagamento, no que ao juízo perfunctório de reunião dos pressupostos de que depende diz respeito, a decisão de indeferimento da posterior arguição de nulidade que lhe foi feita, com este preciso fundamento, não exigia ou justificava qualquer discriminação de factos provados e não provados, ou a consideração então de qualquer prova arrolada pelo Arguente (DD).

Com efeito, a discriminação da dita factualidade (face nomeadamente ao alegado pelo Arguente e ao contraditado pelos Requerentes) pressuporia que a mesma seria relevante para a decisão a proferir, isto é, que se tornava necessário para o efeito decidir da efectiva verificação, ou falta dela, dos requisitos materiais do processo especial para acordo de pagamento.
Ora, e como se deixou detalhadamente exposto supra, não era esse o caso dos autos, já que o juízo de improcedência da arguição de nulidade em causa se bastava com a consideração da natureza própria do dito despacho liminar de admissão, nomeadamente do seu carácter irrecorrível.

Reconhece-se, é certo, que o Tribunal a quo professou outro entendimento, isto é, de manifesta improcedência das razões de direito invocadas pelo credor DD. Contudo, ao fazê-lo (e independentemente do acerto, ou falta dele, deste seu juízo), e em coerência, tornou igualmente desnecessário o prévio apuramento dos factos em causa, já que, ainda que se lograssem provar, seriam sempre insuficientes, face ao Direito aplicável (tal como o interpretou), para a procedência da dita arguição de nulidade.
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Face ao já exposto, e face à prolação da concreta decisão então em causa (suscitada pela arguição de nulidade feita ao despacho liminar de admissão do processo especial para acordo de pagamento), tornava-se igualmente desnecessária a consideração de qualquer prova, nomeadamente da arrolada pelo Arguente (DD), já que precisamente destinada ao apuramento de factos tidos por irrelevantes para a dita decisão.
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Importa, pois, decidir em conformidade, julgando nesta parte improcedente o recurso do credor DD, por ser inexistente a nulidade do despacho de admissão liminar do presente processo especial para acordo de pagamento.
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4.2. Homologação (da aprovação) do plano de pagamentos
4.2.1.1. Aprovação do plano de pagamento
Lê-se no art.º 222.º-F, n.º 2, do CIRE, e no que ora nos interessa, que concluindo-se «as negociações com a aprovação de acordo de pagamento» sem unanimidade de todos os credores que hajam intervindo na votação, «o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações».
Mais se lê, no n.º 3 do art.º 222.º-F citado, que se considera «aprovado o acordo de pagamento que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções».
Lê-se ainda, no n.º 4 do mesmo preceito, que a «votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal».
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4.2.1.2. Recusa de Homologação (de prévia aprovação do plano de pagamento)
Lê-se no n.º 5 do art.º 222.º-F do CIRE que, recebido pelo juiz o plano de pagamento aprovado pelos credores, este «decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º».
Logo, para «que produza os efeitos jurídicos para que se mostra ordenado, o acordo de pagamento deve ser objecto de homologação judicial, pois o acto decisório do tribunal constitui uma verdadeira condição de eficácia desse plano» (Ac. da RE, de 24.05.2018, Tomé de Carvalho, Processo n.º 2664/17.7T8STR.E1).
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Precisa-se, a propósito, que o PEAP é um processo híbrido e concursal.
Com efeito, é híbrido porque boa parte da sua tramitação é tendencialmente extrajudicial, maxime a fase das negociações, «em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, da informalidade e da eficácia» (Ac. da RP, de 05.11.2018, Carlos Gil, Processo n.º 805/18.6T8STS.P1) [20]; mas essa mesma intervenção judicial não deixa de ocorrer em momentos cruciais, cabendo precisamente ao juiz a nomeação do administrador judicial provisório (art.º 222.º-C, n.º 4, do CIRE), a decisão das impugnações da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório (art.º 222.º-D, n.º 3, do CIRE), a decisão sobre a computação, no cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano, de créditos impugnados, e a decisão de homologação ou não homologação do acordo de pagamento (art.º 222.º-F, n.º 5, do CIRE) [21].
A intervenção judicial é, assim, necessária para garantir ao processo a sua natureza concursal, ou seja, a vinculatividade do acordo de pagamento face a todos os credores do devedor, incluindo aqueles que não participaram nas negociações ou não tiveram qualquer intervenção no processo (art.º 222º-F, n.º 8, do CIRE).

Recorda-se que o plano de pagamento «é susceptível de impor aos credores uma compressão generalizada e grave das suas faculdades típicas: pode afectar a esfera jurídica dos interessados e interferir com os direitos de terceiros independentemente do seu consentimento - desde que a lei o autorize expressamente (artº 192 nº 2 do CIRE). Pode, por isso, por exemplo, sujeitar um credor a um tratamento mais desfavorável sem necessidade de consentimento expresso - dado que é suficiente o consentimento tácito (artº 194 nº 2 do CIRE).
Pode mesmo afectar créditos públicos - créditos do Estado, das Instituições de Segurança Social e de outras públicas, sujeitos a regimes especiais (artº 196 nº 2, a silentio). O regime compreende-se: o plano é uma convenção, um negócio jurídico processual - mas um negócio jurídico outro, específico do Direito de Insolvência, a qual a lei atribui uma força jurídica especial de afectação de direitos» (Ac. da RC, de 17.03.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 338/13.7TBOFR-A.C1).
 Logo, «o PEAP, pelos efeitos materiais que acarreta, pode levar a um desvio ao princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406/ 2 do Código Civil) (Madalena Perestrelo de Oliveira, Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente, Coimbra: Almedina, 2013, p. 50)»; e, por isso, justifica-se que «o modelo negocial de auto-composição dos interesses dos credores (da insolvência) e do devedor que corporiza, regido pelo princípio da liberdade contratual, fique sujeito a controlo jurisdicional através de sentença homologatória, que é condição da sua eficácia» (Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1).
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4.2.1.2.1. Recusa (de homologação) oficiosa - Fundamentos
Lê-se no art.º 215.º do CIRE que o «juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação».
Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo (vício de procedimento), enquanto que as normas aplicáveis ao conteúdo do PEAP se reportarão ao dispositivo do plano de pagamento, bem como aos princípios que lhe devem estar subjacentes (vício de conteúdo) [22].
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4.2.1.2.1.1. Regras procedimentais
Particularizando, e quanto às regras procedimentais que visam regular a forma como se deverá desenrolar o processo, dir-se-á que «são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devam ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, deste modo, as próprias regras com que se devem reger as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, tal como as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado» (Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER - O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, Março, 2014, pág. 144) [23].
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Dir-se-á ainda que, não definindo a lei o que sejam vícios não negligenciáveis, tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195.º do CPC (Ac da RL, de 12.12.2013, Ana Resende, Processo n.º 1908/12.6TYLSB-A.L1-7) [24].
Exemplo de um vício não negligenciável de normas procedimentais ocorrerá quando um plano de pagamento seja aprovado sem se terem respeitados as normas legais dispostas para o efeito [25].

Precisando ainda mais este conceito (de vícios não negligenciáveis), passou a jurisprudência a referir, ao lado da violação de «normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza», igualmente: «todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores» (Ac. da RG, de 05.02.2015, Filipe Caroço, Processo n.º 6193/13.0TBBRG-F.G1); ou todas as violações de «regras ou normas legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere e sempre que a violação seja suscetível de afetar ou prejudicar a salvaguarda dos interesses - sejam eles do devedor ou dos credores - que sejam dignos de proteção legal» (Ac. da RC, de 22.01.2019, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 54/18.3T8SEI-A.C1) [26].
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «vício de procedimento não negligenciável ocorrerá quando no iter processual conducente à publicidade de um plano de insolvência houve (…) violação de regra susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger - nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável» (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 308).
Logo, será sempre «não negligenciável a violação que põe em causa as finalidades da norma violada» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 495).
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4.2.1.2.1.2. Conteúdo do plano de pagamento

Particularizando novamente, e agora quanto às regras aplicáveis ao conteúdo do plano de pagamento, dir-se-á que são todas aquelas que digam respeito à parte dispositiva do plano, as que fixam os princípios a que deve obedecer imperativamente, e as que definem os temas que a proposta deve contemplar [27].

Lê-se, a propósito, no art.º 192.º, n.º 2, do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art.º 222.º-F, n.º 5, do mesmo diploma) que o «plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados».
Consagra-se, deste modo, uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros.

Lê-se ainda, no art.º 194º, do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art.º 222.º-F, n.º 5, do mesmo diploma), que o «plano (…) obedece ao princípio da igualdade dos credores (…), sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas» (n.º 1), ou do «consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável» (n.º 2).
Consagra-se, deste modo, o princípio par conditio creditorum, isto é, de igualdade dos credores, tendo a «letra do n.º 1» procurado «acolher de uma forma evidente as duas facetas em que» o mesmo «se desdobra (…), traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos em contrário»
Estando-se perante uma norma de carácter imperativo, «trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência», cuja «afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis», não tem, porém, a mesma carácter absoluto (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, págs. 712 e 713).
Com efeito, em situações objectivamente justificáveis, poderá o princípio da igualdade dos credores «sofrer afrouxamentos ou restrições», como desde logo «decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e de proibição do arbítrio, coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP)» (Ac. do STJ, de 25.03.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o princípio da igualdade dos credores permite, em consideração com o princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (art.º 1.º, n.º 1, do CIRE), que se adopte um tratamento diferenciado de credores, conquanto o mesmo se justifique igualmente por razões objectivas [28].
Ora, entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações contam-se, para além da distintiva classificação dos créditos, o seu grau hierárquico (dentro da mesma categoria), e a diversidade das suas fontes [29].

Por fim, lê-se no art.º 195.º do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art.º 222.º-F, n.º 5, do mesmo diploma), que o «plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência» (n.º 1), nomeadamente o «impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência» (n.º 2, al. d)).
Com efeito, inexistindo agora qualquer «tipicidade em matéria de medidas destinadas à satisfação do interesse dos credores, admitidas como alternativa à liquidação universal do património do devedor segundo o modelo supletivo da lei», justifica-se «que se faça a indicação das alterações que o plano, uma vez aprovado e homologado, comporta para a posição dos credores, visto que é o seu interesse que se visa proteger, devendo atuar-se de forma a não susceptibilizar a ambiguidade em área tão sensível».
As exigências de clarificação relativas ao seu conteúdo, contidas no n.º 2 do art.º 195.º do CIRE, justificam-se assim por duas razões: uma, «ligada à circunstância de o plano, estribado no princípio da liberdade de estipulação do conteúdo a que se fez referência, poder, realmente, orientar-se por vias substancialmente diversas entre si; outra, respeitante à necessidade de garantir o cabal esclarecimento dos que são chamados a decidir o destino do processo, de forma a poderem ponderar suficientemente as vantagens que estimam resultar da aprovação de um plano» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, págs. 715 e 716) [30].
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4.2.1.2.2. Recusa (de homologação) requerida por credor - Fundamentos
Lê-se no art.º 216.º, n.º 1, do CIRE (aplicável ao PEAP ex vi do art.º 222.º-F, n.º 5, do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que o «juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado (…) por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada» anteriormente à aprovação do plano, «contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis (…) que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas».
Logo, importa «que na prova da situação (…) referenciada se proceda a um exercício intelectual de prognose, frequentemente complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele»; e, relativamente «aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele», nomeadamente avaliando «eventuais remanescentes conforme se opte, ou não, pela alternativa à liquidação do património» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 787) [31].
Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «efeito de (não) homologação do Plano de pagamento - no processo especial para acordo de pagamento, a que se referem os art.ºs 222º-A e seg.s do CIRE - importando ponderar uma situação que, ao abrigo do plano, seja previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, na falta de acordo já anteriormente celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas e encontrando-se o devedor, previsivelmente, numa situação de insolvência, deve comparar-se a situação emergente do Plano com a que, provavelmente, iria resultar da declaração da insolvência, com a liquidação do património e a eventual exoneração do passivo restante» (Ac. da RP, de 12.09.2019, Filipe Caroço, Processo n.º 6733/18.8T8VNG.P1).
Poderá ainda ser ponderada a maior, ou menor, rapidez na satisfação do crédito do credor que se haja oposto à homologação [32].
Incumbe, naturalmente, ao credor requerente da não homologação «a prova, em termos plausíveis, de que o plano de recuperação [leia-se, de pagamento] o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano» (Ac. da RP, de 30.06.2014, Caimoto Jácome, Processo n.º 1251/12.0TYVNG.P1); e este seu juízo de menor favorabilidade tem, natural e necessariamente, de  ser substanciado em factos, e não em considerações gerais, subjectivas conjeturas ou meros juízos valorativos [33].

Enfatiza-se, por fim, que esta «possibilidade conferida aos credores de alegarem que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que aquela em que ele estaria na ausência de plano é conhecida como best interests-of-creditor’s test. A designação corresponde à usada no âmbito da lei norte-americana para o modelo inspirador do legislador português, mas a lei alemã prevê um instituto semelhante, denominado, significativamente, proteção das minorias (Minderheitenshcutz). A sua consagração permite confirmar a soberania dos interesses os credores, que prevalecem, em última análise, sobre os interesses da conservação ou sobrevivência da empresa [aqui, do devedor]: todo o plano de insolvência - de recuperação da empresa [aqui, de acordo de pagamento] - pode sucumbir por causa de um credor; basta que ele alegue e prove o seu prejuízo nos termos referidos» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 333 e 334).
Justifica-se que assim seja, já que a prevalência da vontade da maioria sobre a minoria só será legítima se esta não ficar em situação pior do que a que resultaria para si da ausência de qualquer plano: «não é aceitável que o acordo se imponha ao credor que o não aprovou e se manifestou contra a homologação, assim lhe impondo uma modificação indesejada do seu crédito em clara derrogação do princípio da autonomia da vontade e dos seus interesses patrimoniais que são constitucionalmente tutelados (art. 62/1 da CRP). Tenha-se aqui presente que como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado (inter alia, Acórdãos n.ºs 494/94, de 12.07.1994, 451/95, de 6.07.1995, e 318/99, de 26.05.1999, todos disponíveis em tribunalconstitucional.pt) da garantia constitucional do direito de propriedade privada pode extrair-se a garantia (constitucional também) do direito do credor à satisfação do seu crédito. E este direito há-de, naturalmente, conglobar a possibilidade da sua realização coativa, à custa do património do devedor» (Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1).
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Relativamente à exigência legal de que o credor comunique a sua oposição «anteriormente à aprovação do plano», para vir depois solicitar a sua não homologação, não bastará que tenha singelamente votado contra aquela aprovação.
Com efeito, «são realidades distintas, o voto contra e a oposição à aprovação do plano de recuperação, na perspetiva de fundamentar o pedido formulado ao juiz para que recuse a homologação do plano, devendo o pedido de recusa ser formulado logo que a proposta de plano de insolvência seja conhecida» (Ac. da RL, de 10.05.2018, Ana Paula A. Carvalho, Processo n.º 2026/18.9T8LSB-A.L1) [34].
Dir-se-á, ainda, que, após a prévia e oportuna manifestação da oposição à aprovação do plano de pagamento, terá igualmente o credor de solicitar a não homologação judicial da efectiva aprovação que, entretanto, tenha ocorrido; e antes daquela homologação judicial se concretizar [35].
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4.2.1.3. Nulidades da sentença
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [36].
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4.2.1.3.1. Omissão de fundamentação
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:
. omissão - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art.º 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [37].
 Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 317).

Logo, e em termos de matéria de facto, o art.º 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, do CPC, impõe ao juiz que deixe bem claros: quer a indicação do elenco dos factos provados e não provados; quer dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo); quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art.º 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
De seguida, e do mesmo modo, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.

Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [38].
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4.2.1.3.2. Omissão de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado [39].
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Normas procedimentais
Concretizando, verifica-se ter o Credor recorrente (DD) afirmado que a homologação da aprovação do plano de pagamento violou de forma manifesta, ostensiva e não negligenciável regras procedimentais, nomeadamente por «no âmbito do Plano os devedores não» estribaram «o mesmo em fundamentos fidedignos, revelando aos credores e ao tribunal qual o valor do património imobiliário de que são proprietários, o valor e a descrição dos veículos automóveis que lhes pertencem e ainda» por não terem documentado «o vencimento, quer do devedor marido, quer da devedora esposa».
Reiterou, desse modo, a sua alegação prévia, de que: o único imóvel inicialmente indicado pelos Requerentes (AA e mulher, BB) teria como valor patrimonial € 107.803,15, e teria como valor real de mercado, pelo menos, € 240.000,00; seriam os mesmos proprietários de quatro veículos automóveis e de um ciclomotor, que teriam globalmente como valor real de mercado, pelo menos, € 15.000,00; e auferiria o Requerente marido, desse Novembro de 2022, no estrangeiro, um salário muito superior ao salário mínimo nacional. 
Mais se verifica que tendo o Credor recorrente (DD) manifestado a sua oposição ao plano de pagamento antes da sua aprovação (que ocorreu não obstante tenha votado contra ela), dirigiu depois um requerimento aos autos, previamente à homologação judicial da referida aprovação, pedindo que a mesma não ocorresse, por estas mesmas razões. Contudo, não arrolou então qualquer prova pessoal (ao contrário do que fizera no seu inicial requerimento de arguição de nulidade do despacho de admissão liminar do procedimento em causa), juntando apenas prova documental.
Por fim, verifica-se que, na dita sentença de homologação da prévia aprovação do plano de pagamento, nada se referiu quanto a esta denunciada violação não negligenciável de regras procedimentais, afirmando-se, pelo contrário, singela e tabelarmente, relativamente a todos e qualquer um dos fundamentos legais da sua recusa: «Tal não aconteceu» (bold apócrifo).
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Dir-se-á, e antes de mais, que, estando-se perante factos que contendem directamente com a verificação, ou falta dela, dos pressupostos do presente processo especial para acordo de pagamento, e com a lealdade e lisura da actuação dos Requerentes (AA e mulher, BB) respectivos na obrigatória, cabal e verdadeira revelação dos seus património e rendimentos, é indubitável estar em causa uma eventual violação não negligenciável de regras procedimentais
*
Dir-se-á, ainda, que tendo esta violação não negligenciável de regras procedimentais sido expressamente invocada, com a devida concretização factual (reiterando, aliás, o que já em momento anterior tinha sido feito pelo mesmo credor DD), não podia o Tribunal a quo, na sentença homologatória por si proferida, limitar-se a concluir, genérica e tabelarmente, pela sua não verificação.
Teria, pelo contrário, na dita decisão, que ter referido o requerimento do credor DD, conhecendo-o; e, ao fazê-lo, discriminado quais os factos por ele alegados que considerava provados e não provados, consoante a prova documental já reunida nos autos (quer a relativa ao valor patrimonial do único prédio urbano arrolado pelos Requerentes, quer a relativa à inscrição em nome dos mesmos de quatro viaturas automóveis e de um ciclomotor).
Enfatiza-se que esta actuação seria devida pelo Tribunal a quo ainda que o mesmo entendesse não ser de ordenar a produção da prova pessoal anteriormente arrolada pelo Credor impugnante (no requerimento de arguição de nulidade ao despacho liminar por si proferido), por considerar que a mesma deveria ter sido reiterada no requerimento em que o mesmo lhe pediu a não homologação judicial do acordo de pagamento aprovado (o que, porém, aquele não fez).  
Ora, tendo sido omitida na sentença homologatória o conhecimento de questão sobre a qual o Tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se, e, consequentemente, a discriminação da factualidade (provada e não provada) relevante para aquela sua decisão, não pode a dita sentença homologatória deixar de ser nula.
Impunha-se, assim, devolver os autos ao Tribunal a quo, para que suprisse a dita nulidade, conhecendo da questão omitida, com a prévia produção da prova necessária para o efeito (antecipadamente arrolada pelo Recorrente sobre a mesma factualidade e, por isso, a considerar), nos termos do art.º 665.º, do CPC.
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Contudo, tendo o Recorrente (DD) invocado um outro fundamento para a não homologação do plano de pagamento - a sua menor favorabilidade para ele próprio -, e tendo-se o mesmo por verificado nos autos, a revogação da sentença homologatória prejudicará a necessidade do suprimento da nulidade referida.
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4.2.2.2. Conteúdo do plano de pagamento - Menor favorabilidade (face à inexistência de qualquer um)
Com efeito, veio o Credor recorrente (DD) alegar (quer no requerimento dirigido ao Tribunal a quo, pedindo a não homologação da aprovação do plano de pagamento, quer no presente recurso), que a «situação patrimonial em que fica ao abrigo do plano é manifestamente mais desvantajosa ou desfavorável do que aquela em que ficaria na ausência de qualquer plano»: «através da venda coerciva ou voluntária do imóvel que se mostra penhorado no âmbito da execução de sentença que tem em curso, consegue cobrar o seu crédito pela totalidade e em prazo muito curto», enquanto que se «vigorasse as cláusulas propostas no Plano, (…) o credor/Recorrente apenas receberia 30% do seu crédito, ou seja, €.7.155,00 e teria de esperar por 100 meses - o que equivale a mais de 8 anos - para ao ritmo de uma irrisória quantia mensal de €.71,55 obter satisfação para o valor creditício que por montante muito superior lhe foi reconhecido por Sentença judicial, transitada em julgado e antes proferida pelo Tribunal Central Cível de Guimarães».

Tem inteira razão, como ostensivamente os autos demonstram (isto é, sem necessidade de produção de qualquer prova adicional).
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Com efeito, e começando pelo actual montante do passivo dos Requerentes (AA e mulher, BB) - isto é, já depois da declaração do Banco 1..., S.A. (sucessora do Banco 2..., S.A.) de que se encontra paga -, corresponde o mesmo ao montante global de € 52.332,62.
Neste montante a Autoridade Tributária e Aduaneira tem um crédito total de € 228,57 (privilegiado), o Instituto de Segurança Social, I.P. tem um crédito total de € 3.101,14 (privilegiado), DD tem um crédito total de € 23.850,00 (comum), CC tem um crédito total de € 15.000,00 (comum), FF tem um crédito total de € 10.000,00 (comum), e o Centro Hospitalar ..., EPE tem um crédito total de € 152,91 (comum).
Contudo, tendo o crédito de DD sido judicialmente reconhecido por sentença proferida em 01 de Maio de 2022, e tentado cobrar por meio de uma acção executiva instaurada em 24 de Janeiro de 2023, beneficia ainda da penhora registada em 17 de Fevereiro de 2023 sobre o prédio urbano arrolado pelos Requerentes (AA e mulher, BB) como sua propriedade.

Considerando agora o actual montante do activo dos Requerentes (AA e mulher, BB), tal como por eles arrolado nos autos, corresponde o mesmo a um prédio urbano, tendo o credor DD demonstrado documentalmente que o seu valor patrimonial é de € 107.803,15.
Ora, e mesmo desconsiderando a reconhecida desactualização dos valores matriciais da generalidade dos prédios nacionais, verifica-se que o único activo conhecido aos Requerentes (AA e mulher, BB) é suficiente para assegurar o pagamento de todo o seu passivo, resultando ainda um remanescente para os próprios de € 55.470,53.
Recorda-se, a propósito, que se lê: no art.º 601.º do CC que pelo «cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios»; e no art.º 735.º, n.º 1, do CPC, que estão «sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda».

Por fim, e comparando as condições de pagamento do crédito do Recorrente (DD), sem qualquer plano de pagamento e com aquele que foi aprovado nos autos, verifica-se que: no primeiro cenário, e fruto da acção executiva e da penhora nela já realizada, será pago integralmente e no tempo estritamente necessário para a demais tramitação dessa mesma ação executiva; e, no segundo cenário, será exclusivamente pago o seu crédito de capital (com exclusão total do crédito de juros, vencidos e vincendos), ainda assim de forma parcial, isto é, apenas 30%, (com exclusão dos remanescentes 70%), e em cem prestações, mensais e sucessivas, de igual valor, vencendo-se a primeira nos 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória.
Dito de outra forma, em vez do Recorrente (DD) obter, em alguns meses, o pagamento do seu crédito integral de € 23.850,00 (de capital e de juros vencidos), acrescido do crédito de juros vincendos, passaria a receber apenas o pagamento de um crédito total de capital de € 7.155,00 (€ 23.850,00 x 30% = € 7.155,00), em prestações mensais de € 71,55 (€ 7.155,00 : 100 = € 71,55), ao longo de mais de oito anos (100 : 12 = 8,33).

Contraposto a este manifesto e relevante prejuízo do Recorrente (DD), manteriam os Requerentes (AA e mulher, BB), na sua exclusiva e definitiva titularidade e posse, o prédio urbano de que são proprietários, não obstante ser o mesmo idóneo a garantir o integral pagamento de todos os seus credores. Enfatiza-se que nestes se inclui o credor que, reiteradamente, se viu forçado a recorrer à Justiça para ver reconhecido o crédito que eles próprios sabiam ser-lhe devido, e bem assim para obter o seu pagamento coercivo, a que, mais uma vez e sem justificação idónea, procuram aqui obsctacular (intentando para o efeito a presente acção, em ../../2023, escassos dois meses depois da realização da penhora que, finalmente, viabilizaria o dito pagamento em falta).

Compreende-se, assim, o lamento indignado do Recorrente (DD), quando afirma que: os Requerentes «usam o presente processo e plano como ferramenta para não pagarem o que devem apesar de terem possibilidades e capacidades patrimoniais para o fazerem»; o «PEAP não se destina e não pode ter por fim permitir que devedores que são proprietários e possuidores de bens imóveis e de bens móveis, (…) decidam guardar e manter intocável o respectivo património e ao mesmo tempo forçar os credores a perdoar parte dos respectivos créditos – que em parte constituiu o património desses credores - ou a dilatarem por anos a fio a cobrança do que está vencido e é devido…!!!»; o «tribunal não pode pactuar com esta total distorção de uso de uma ferramenta processual que visa a protecção de devedores que não conseguem fazer o pagamento das dividas por falta de bens e, ou rendimentos», mas «que no caso é usada para permitir tornar intocável qualquer parte do património imobiliário e património mobiliário dos devedores que os mesmos, avaramente, guardarão na totalidade para as suas conveniência, para os seus passeios, até para a sua ostentação», impondo «aos verdadeiros credores o sacrifício de não poderem cobrar os créditos a que têm indubitável e inalienável direito o qual lhes foi conferido por sentença judicial transitada em julgado»; e esta «opção, injustificável, tomada pelo tribunal “a quo” e este permitir o branqueamento da conduta abusiva e ilegal dos devedores não tem protecção legal e viola claramente» o regime jurídico do processo especial para acordo de pagamento.

Impõe-se, deste modo, concluir que o plano de pagamento aprovado é menos favorável para o credor DD do que a inexistência de qualquer acordo, crendo-se mesmo que, nas circunstâncias concretas dos autos, desvirtua, por completo e inaceitavelmente, a ratio ínsita no instituto em causa.
Com efeito, e em caso comparável, já o ajuizou a jurisprudência [40], quando afirmou:
«(…)
Segundo, os devedores são titulares de dois activos que nada justifica que mantenham no seu património ao mesmo tempo que forçam o perdão de parte dos créditos dos credores. Sendo que um deles é um terreno com 2720m2, avaliado em 21,07€, em 1989, o que é um valor inaceitável, correspondendo a sua indicação à omissão, de facto, da indicação do valor estimado real, que lhes era imposta pela lei (art. 195/2-a, aplicável por força do art. 222-F/5, ambos do CIRE). Por outro lado, a venda destes bens, por um valor real, permitiria diminuir o passivo e aumentar o rendimento do agregado para pagar as despesas correntes do mesmo. Ora, em vez disso, eles, repete-se que sem qualquer justificação, propõem-se manter o património, incluindo aqueles dois activos.
(…)
Quem tem dívidas, não se pode dar ao luxo de ter uma viatura [era a eles que incumbia a alegação de factos que permitissem a conclusão contrária: art. 342/1 do CC] ao mesmo tempo que impõe o perdão de dívidas aos seus credores.
Conclui-se, tendo tudo isto presente que, no caso dos autos, o PEAP foi requerido para que os requerentes deixassem de pagar as dívidas enquanto o processo durasse, e para que, com o actuação concertada – ao menos objectivamente – com um credor hipotecário que se propõe receber todo o seu crédito exactamente como o estava a receber até então, imporem a todos os outros credores o perdão de parte das suas dívidas, o adiamento do início do pagamento delas por dois anos e o pagamento desse montante reduzido só ao fim de 8 anos, de modo a ficarem com rendimentos para gastarem no que quiserem (que não nas despesas correntes por estas já estarem contabilizadas) e inclusive para poupança, e não para pagarem, na medida das suas possibilidades reais, as dívidas que contraíram.
Ora, isto nada tem a ver com as finalidades do PEAP: este destina-se a permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (art. 222-A do CIRE), pressupondo-se logicamente que o acordo é para pagamento de tudo o que for possível e não para, sem necessidade, se pagar menos do que o devido (ficando com o resto para poupar ou para gastar no que não é necessário), por se ter tido o apoio de um credor que, a esse, se paga tudo.
Se isto fosse admissível (…) estaria encontrado o caminho para situações aberrantes, como a dos autos, em que todos os credores, à excepção do hipotecário que votou o acordo e não é prejudicado, ficam sem parte dos seus créditos, cujo pagamento para além disso é protelado no tempo, enquanto os devedores ficam com os seus bens, incluindo aqueles comprados com tais créditos, e ainda com rendimentos para gastarem no quiserem ou, inclusive, pouparem. Dito de outro modo, estaria encontrado o caminho para se comprarem todos os bens que se quisessem, sem preocupação com as cláusulas dos contratos, porque logo a seguir se poderia ir a tribunal e alterar as condições desses contratos, impondo o pagamento de um menor preço e com início de pagamento à vontade do devedor, desde que se propusesse o pagamento de todo o crédito a um credor que tivesse voto suficiente para aprovar tal acordo, com isso se obtendo esse voto.
(…)»

Deverá, por isso, ser-lhe recusada a homologação judicial [41]
*
Importa, pois, decidir em conformidade, julgando nesta parte procedente o recurso do credor DD, por ser ilegal a homologação judicial da prévia aprovação do plano de pagamento apresentado pelos Requerentes (AA e mulher, BB), justificando a revogação dessa decisão.
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo credor DD e, em consequência, em :

A. Confirmar a decisão que indeferiu a arguição de nulidade feita ao despacho de admissão liminar do processo especial para acordo de pagamento;

B. Revogar a sentença homologatória da aprovação do acordo de pagamento, pela sua menor favorabilidade para o credor DD face ao que obteria na ausência de qualquer plano, declarando não homologada a aprovação que o dito acordo de pagamento obtivera.
*
Custas da apelação pelos Recorridos (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
*
Guimarães, 02 de Maio de 2024.

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.ª Adjunta - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Era maioritário o entendimento, na 6.ª Secção do STJ (a que são distribuídos os processos desta natureza) que recusava a aplicação do PER a pessoas singulares que não fossem comerciantes/empresários (v.g. acórdãos de 12.04.2016, Salreta Pereira, Processo n.º 531/15.8T8STR.E1.S1, de 18.10.2016, Júlio Gomes, Processo n.º 65/16.3T8STR.E1.S1, ou de 27.10.2016, Fernandes do Vale, Processo n.º 381/16.4T8STR.E1.S1).
[4] Ao aplicar-se a devedores que não sejam empresários, o processo especial para acordo de pagamento pode ser utilizado quer por pessoas singulares, quer por pessoas coletivas sem finalidades lucrativas (v.g. associações, fundações, misericórdias).
[5] No mesmo sentido (de que o processo especial para acordo de pagamento é em tudo idêntico ao processo especial de revitalização): Ac. da RG, de 23.11.2017, Raquel Baptista Tavares, Processo n.º 206/17.3T8VRL.G1; Ac. da RG, de 25.10.2018, Maria dos Anjos Melo Nogueira, Processo n.º 1820/17.2TBCHV.G1; Ac. da RG, de 17.12.2018, Eugénia Cunha, Processo n.º 2844/18.8T8VCT.G1; Ac. do STJ, de 04.07.2019, Catarina Serra, Processo n.º  3774/17.6T8AVR.P1.S2; Ac. da RC, de 18.05.2020, Barateiro Martins, Processo n.º 760/19.5T8ACB.C1; Ac. da RP, de 16.10.2020, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 3975/19.2T8OAZ.P1; ou Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1.
Contudo, criticando essa duplicação de regimes, Alexandre de Soveral Martins, Estudos de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Coimbra 2018, pág. 8.
[6] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.09.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 1820/17.2T8CHV.G1.S1, onde se lê que o «PER, como previsto no art.17º-A n.1do CIRE, visa a recuperação e revitalização da atividade económica do devedor, tendo também subjacente a tutela do interesse geral da economia na manutenção das atividades económicas (como se extrai do Preâmbulo do DL n.79/2017), enquanto o PEAP, como estabelece o art.222º-A, n.1, não tem como finalidade a viabilização da atividade económica do devedor, mas sim permitir-lhe estabelecer um acordo de pagamento dos seus débitos».
[7] No mesmo sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 633, onde se lê que a «circunstância de o PEAP ser o velho PER com um nome novo tem, pelo menos, duas vantagens.
A primeira é a possibilidade de se aproveitarem os resultados da interpretação do regime do PER, atingidos ao longo do tempo pela doutrina e pela jurisprudência, para interpretar o regime do PEAP. Com excepção das normas do PER que pressupõem a qualidade de titular de empresa, não se vê, de facto, razão para não aproveitar a interpretação das normas do PER que, à parte a diferença formal residente na distinta numeração, têm exactamente o mesmo teor e servem interesses iguais/têm teleologia igual à das normas do PEAP.
A segunda, de tipo pedagógico, é a e facilitar a descrição dos aspectos essenciais do processo, sendo válidas, mutatis mutandis, as observações feitas a propósito do PER – as observações feitas ao regime do PER antes da sua alteração pelo DL n.º 79/2017, e 20 de Junho, e as observações feitas depois que respeitem às medidas estendidas ao PEAP. Os aspectos realmente novos ou exclusivos do PEAP são, de facto, muito escassos, sendo o âmbito de aplicção quase o único e, sem dúvida, o mais ostensivo». 
[8] Neste sentido:
. na doutrina mais recente -  Letícia Marques Costa, A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, Teses, Maio de 2021, pág. 416, onde enfatiza «que se demonstrou que, por cada euro investido em sistemas de renegociação extrajudicial de dívidas, o Estado acaba a poupar quatro euros em apoios sociais. De facto, temos devedores e seus familiares próximos, especialmente aqueles que com eles habitam ou que dele dependem em termos financeiros a, mercê das dificuldades vivenciadas, passar a viver à margem da sociedade ou dependentes da concessão de apoios estaduais. Tal é reprovável e mais caro, sendo que “…não será certamente uma poupança a ignorar no quadro de um Estado-social em forte regressão”».
Ainda Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 742.
. na jurisprudência - Ac. da RG, de 31.03.2022, José Carlos Duarte, Processo n.º 805/21.9T8VNF.G2; ou Ac. da RP, de 27.06.2022, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 1472/21.5T8STS.P1. 
[9] Neste sentido, Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1, onde se lê que o «PEAP tem uma função estritamente preventiva: evitar, na medida do possível, que o devedor passe, irremediavelmente, a uma situação de insolvência, potenciando o azzeramento da sua posição passiva».
[10] Neste sentido:  Ac. da RP, de 15.11.2018, Mário Fernandes, Processo n.º 118/18.3T8STS.P1; ou Ac. da RC, de 13.06.2023, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 627/23.2T8CBR.C1.
[11] No mesmo sentido, na doutrina:
. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, Volume I, 4.ª edição, Almedina, pág. 80 - onde se lê que pressupondo o estado de insolvência iminente uma «ameaça» do devedor ficar insolvente, «não basta um medo ou pavor por parte do devedor. É preciso que se trata de uma probabilidade objetiva. Daí que seja necessário efetuar um juízo de prognose, que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor. Será preciso averiguar qual a probabilidade de o devedor não pagar as obrigações vencidas e as obrigações atuais não vencidas quando estas se vencerem. Se for mais provável que isso venha a acontecer do que a hipótese contrária, há insolvência iminente. Isto, evidentemente, se a insolvência de que se trata é a prevista no art. 3º, n.º 1: está iminente a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas».
. Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas: o Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2017, págs. 42 e 43 - onde se lê que «o núcleo da distinção» entre a situação económica difícil e a situação de insolvência iminente passa pelo seguinte: no primeiro «caso o devedor terá dificuldade séria para cumprir, não sendo, ainda assim previsível, que venha a incumprir, enquanto no outro, pelo contrário, é já previsível que se venha a verificar esse incumprimento».
[12] No mesmo sentido, Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, 2.ª edição, págs. 20 a 21, onde se lê que o «conceito de insolvência iminente é aberto e indefinido, implicando uma análise concreta da situação do devedor (tipo de obrigações que se vão vencer, incapacidade de recurso a crédito …). Esta situação passa sempre por uma previsão futura sobre a insuficiência económica e sua incapacidade de, a curto prazo, vir a realizar e honrar as obrigações assumidas e ainda não vencidas.
A situação de insolvência iminente é conjecturada quando o devedor, de acordo com os critérios do homem comum ou um gestor criterioso e empenhado, sabe e não pode desconhecer que não conseguirá ir a honrar as obrigações assumidas a curto prazo».
[13] Compreende-se, por isso, que, tendo já sido declarada a insolvência do devedor, à data da instauração do processo especial para acordo de pagamento, não possa o mesmo prosseguir.
Neste sentido: Ac. da RG, de 28.06.2018, Maria Luísa Ramos, Processo n.º 6825/17.0T8VNF.G2; ou Ac. da RC, de 28.03.2023, Arlindo Oliveira, Processo n.º 3005/22.7T8LRA.C1.
[14] Aparentemente limitando a possibilidade desse controlo à fase inicial do processo, Ac. da RG, de 20.09.2018, Luísa Ramos, Processo n.º 6662/17.2T8VNF.G1, onde se lê que, alegando «o apelante que a situação de insolvência real e actual, embora sendo questão de conhecimento oficioso, foi suscitada pelo Recorrente previamente à prolação da sentença impugnada», mostra-se «a questão ultrapassada face ao teor do despacho liminar de fls.16 dos autos nos termos do qual por despacho judicial, transitado em julgado, foi admitido o presente processo especial para acordo de pagamento, julgando-se verificados os respectivos pressupostos legais, relativamente a esta questão se tendo formado caso julgado formal nos termos do artº 620º do CPC».
[15] Recorda-se que no art.º 47.º do CIRE distinguem-se três classes de créditos: créditos garantidos e privilegiados, créditos subordinados e créditos comuns.
Créditos garantidos e privilegiados são aqueles que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes (art.º 47º, n.º 4, al. a), do CIRE).
Créditos subordinados são os que se encontram descritos nas diversas alíneas do art.º 48.º do CIRE (para o qual remete a al. b) do n.º 4 do seu art.º 47º).
Créditos comuns são os demais créditos (art.º 47.º, n.º 4, al. c), do CIRE).  
[16] Neste sentido: 
. na doutrina - Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER - O Processo Especial de Revitalização, 1.ª edição, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 17; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7.ª edição, Almedina, pág. 493; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 635 e 636; ou Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág. 744.
. na jurisprudência - Ac. da RC, de 01.12.2019, Ferreira Lopes, Processo n.º 5494/19.8T8CBR.C1; Ac. da RP, de 11.02.2020, Ana Lucinda Cabral, Processo n.º 2752/19.5T8STS.P1; Ac. da RG, de 06.02.2020, Maria João Matos, Processo n.º 348/19.0T8VRL.G1; Ac. da RC, de 13.06.2023, Maria João Areias, Processo n.º 1365/23.1T8CBR.C1; Ac. da RC, de 23.01.2024, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 1998/23.6T8CBR-A.C1; ou Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1.
[17] Neste sentido, embora para o análogo regime do processo especial de revitalização: 
. na doutrina - Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização - Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, Porto 2014, págs. 19 e 20; Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Almedina, Coimbra 2013, pág. 58; e Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização - Comentários aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra 2014, págs. 17 e 33.
. na jurisprudência - Ac. da RP, de 15.11.2012, José Amaral, Processo n.º 1457/12.2TJPRT-A.; Ac. da RG, de 16.05.2013, Conceição Bucho, Processo n.º 284/13.4TBEPS-A.G1; ou Ac. da RE, de 12.09.2013, Paulo Amaral, Processo n.º 326/13.3TBSTR.E1.
Contudo, criticando este entendimento (isto é, defendendo que poderá o juiz realizar as diligências que entenda necessárias para verificar se se mostram reunidos os pressupostos do recurso ao processo especial de revitalização), Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 393 e 394.
[18] Neste sentido, Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1, onde se lê que o despacho que admita liminarmente o processo especial para acordo de pagamento «é irrecorrível, à semelhança do que geralmente sucede com as decisões de admissão liminar de autos, de que é exemplo paradigmático a oposição à execução mediante embargos de executado (art. 732 do CPC), o que se explica por terem subjacente um juízo meramente perfunctório dos requisitos processuais e uma natureza tabular, não sendo, por isso, suscetíveis de produzir efeitos de caso julgado formal quanto à não verificação dos motivos que poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar. A propósito, RG 18.01.2024 (1731/23.2T8GMR-J.G1), do mesmo relator».
[19] Neste sentido (embora para o análogo regime do processo especial de revitalização), Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 147. 
[20] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 10.03.2015, Alexandre Reis, Processo n.º 36/14.4TBOLR.C1, onde se lê que não deixa, porém, o «papel do juiz neste processo» de ser «muito restrito, porquanto o legislador faz radicar a defesa daquele interesse público, em que se traduz a saúde da economia», precisamente «na primazia da vontade da maioria qualificada dos credores, confiando quase plenamente, nestes e no administrador judicial».
[21] Apud Jorge Manuel Leitão Leal, Juiz Desembargador, «O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), Algumas considerações», em sede de trabalho apresentado no âmbito do I Curso de Pós-Graduação em Direito da Insolvência, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2017, e actualizado em razão da entrada em vigor da Lei n.º 8/2018, de 02 de Março, que aprovou o regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE), Lisboa, Março de 2018.
[22] No mesmo sentido, Ac. da RC, 22.01.2019, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 54/18.3T8SEI-A.C1, onde se lê que a violação «de regras procedimentais corresponde a um vício de natureza formal consubstanciado na violação de uma regra ou norma que regula o formalismo que deve ser observado no processo e as formalidades a que deve obedecer o plano de recuperação/revitalização apresentado. A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponde a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciado na violação de uma regra, norma ou princípio que regula diretamente o conteúdo do plano».
[23] No mesmo sentido, na jurisprudência:
. Ac. da RL 28.01.2016, Ilídio Sacarrão Martins, Processo n.º 1702/15.2T8SNT.L1-8) - onde se lê que normas procedimentais são «todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe forem presentes - incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento - e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado».
. Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pádua, Processo n.º 8389/16.3T8CBR.C1 - onde se lê que normas procedimentais «são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas - incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano - e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado».
[24] No mesmo sentido, na doutrina, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2017, págs. 781 e 782, onde afirmam que «não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza»; e são «desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido». Logo, tratando-se verdadeiramente «de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada», é «razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.º 195.º do C.P.Civ.».
Na jurisprudência:
. Ac. da RL, de 28.01.2016, Ilídio Sacarrão Martins, Processo n.º 1702-15.2T8SNT.L1-8 - onde se lê que «são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza».
. Ac. da RG, de 23.01.2020, Lina Castro Baptista, Processo n.º 510/15.6T8VNF.G1) - onde se lê que constituem «vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insuscetível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza».
[25] Neste sentido, na doutrina, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 308, onde se lê que parecem «constituir exemplos de normas procedimentais cuja violação não será negligenciável, as disposições do art. 212º que fixam os dois quóruns indispensáveis para que uma deliberação se considere aprovada».
Na jurisprudência, Ac. da RC, de 28.09.2022, Arlindo Oliveira, Processo n.º 4433/21.0T8LRA-A.C1.                
[26] No mesmo sentido: Ac. da RG, de 25.02.2016, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 1030/14.0T8VNF.G1; Ac. da RL, de 09.09.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 21668/21.9T8LSB.L1-1; ou Ac. da RL, de 18.10.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 28316/21.5T8LSB-A.L1-1.
[27] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2017, pág. 713.
[28] Neste sentido: Ac. do STJ, de 03.11.2015, Salreta Pereira, Processo n.º 863/14.2T8BRR.L1.S1; ou Ac. da RG, de 14.02.2019, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 1761/18.6T8GMR-A.G1.
Logo, quando haja uma violação do princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem que essa diferenciação no tratamento dos credores se mostre justificada por razões claras, inequívocas e objetivas, deverá ser recusada a homologação do acordo aprovado.
Neste sentido: Ac. da RL, de 27.11.2014, Catarina Arêlo, Processo n.º 19790/13.4T2SNT.L1-8; ou Ac. da RP, de 22.03.2021, Fernanda Almeida, Processo n.º 1559/20.1T8STS-A.P1.
[29] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 712.
[30] No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, 8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, págs. 225 e 226. 
[31]  No mesmo sentido, na doutrina, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 311, onde se lê que se trata «de uma hipótese que impõe um juízo de prognose (prognoseentcheidung), muitas vezes complexo, segundo o qual se deve comparar o que o plano prevê para o reclamante com o que para ele resultaria se nenhum plano fosse aprovado (ou seja, se ocorresse a liquidação universal do património do devedor, de acordo com a tramitação supletiva do processo de insolvência)».
Na jurisprudência, Ac. da RG, de 30.11.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 6028/ 21.0T8VNF.G1, onde se lê que para «se aferir da demonstração ou não desta causa de recusa de homologação do plano impõe-se ao Juiz uma apreciação casuística, que terá que ser realizada com base num juízo de prognose, através do qual se compara a situação que se antevê resultar da homologação e execução do plano para o interessado requerente, com a situação em que previsivelmente se encontraria no caso da ausência desse plano».
[32] Neste sentido, na jurisprudência:
.  Ac. da RG, de 23.11.2007, Manso Raínho, CJ, Ano XXXII, Tomo V, págs. 283 a 285 - onde considerou como menos favorável para o credor um plano de insolvência que, embora lhe atribuísse um pagamento de valor superior ao que resultava da imediata execução de duas hipotecas, só lhe permitiria receber ao fim de 15 anos, quando a liquidação do património do insolvente lhe permitia receber imediatamente.
. Ac. da RL, de 22.03.2022, Manuela Espadaneira Lopes, Processo n.º 4195/21.1T8SNT.L1-1 - onde considerou como menos favorável para o único credor garantido com uma hipoteca sobre o único bem do devedor um plano onde se previa o pagamento do seu crédito, após um período de carência de um ano e meio, em 120 prestações mensais de capital e juros, com spread de 0,5%, quando o valor do bem indicado pelo devedor, bem como o valor patrimonial tributável do mesmo, seria suficiente para pagamento imediato do aludido crédito.
[33] Neste sentido, Ac. da RG, de 10.07.2023, José Carlos Pereira, Processo n.º 1080/22.3T8VNF-BH.G1, onde se lê que o «corpo do n.º 1 do art.º 216º do CIRE exige, por um lado, a alegação de circunstâncias concretas que fundamentem o pedido de não homologação, não bastando meras considerações gerais e, por outro, a demonstração em termos de plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria, dessas circunstâncias».
[34] Neste sentido, Ac. da RL, de 30.04.2019, Rijo Ferreira, Processo n.º 1065/13.0TYLSB-O.L1-1, onde se lê que «o pedido de não aprovação do plano de insolvência (que não tenha sofrido alteração no decurso da assembleia de credores em que não tenha estado presente ou representado) formulado ao abrigo do art. 216 do CIRE pressupõe que o requerente tenha, previamente à votação desse plano, comunicado aos demais interessados os motivos da sua oposição ao plano de insolvência, não se considerando preenchido esse pressuposto com a simples emissão de voto contra». 
[35] Neste sentido (de que o pedido de não homologação deve ser feito antes de ser proferida a própria decisão de homologação, não podendo, nomeadamente, ocorrer no recurso desta): Ac. do STJ, de 22.11.2016, Salreta Pereira, Processo n.º 785/15.0T8FND-B.C1.S1; ou Ac. da RL, de 05.07.2018, Conceição Saavedra, Processo n.º 2915/17.8T8FNC.L1-1.
[36] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[37] Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[38] Neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
[39] Neste sentido: Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526; Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161; Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105; ou Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
[40]  Está em causa o Ac. da RL, de 07.06.2018, Pedro Martins, Processo n.º 3187/17.0T8VFX.L1-2.
[41] Com idêntica ponderação (salvaguardadas, necessariamente, as diferenças de cada caso concreto):
. Ac. da RL, de  22.03.2022,  Manuela Espadaneira Lopes, Processo n.º 4195/21.1T8SNT.L1-1 - onde se lê que se justifica «a recusa de homologação do acordo de pagamento aprovado do qual resulta que, no universo dos créditos em causa, o único garantido com uma garantia real (hipoteca) sobre o único bem da devedora é o do credor que solicitou a recusa de homologação, que o plano prevê o pagamento do crédito, após o período de carência de um ano e meio, em 120 prestações mensais de capital e juros, com spread de 0,5%, quando o valor do bem indicado pela devedora, bem como o valor patrimonial tributável do mesmo, é suficiente para pagamento imediato do aludido crédito».
. Ac. da RG, de 04.04.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 3999/23.5T8VNF.G1 - onde se lê que se verifica «uma situação em que se justifica a recusa de homologação do acordo quando o acordo prevê o perdão de juros e a redução a metade do crédito que está garantido por hipoteca sobre um prédio do devedor com valor suficiente para permitir a sua satisfação integral».