Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/22.5GECUB-C.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: POSIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PERANTE REQUERIMENTO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Não é legalmente exigível a notificação ao arguido da resposta do Ministério Público a requerimento por si apresentado, até porque o arguido pode ter conhecimento dessa mesma resposta pela simples consulta dos autos.
II - A pronúncia cuja omissão determina a nulidade de uma decisão judicial respeita a questões (aos problemas suscitados) e não às razões alegadas ou aos argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 8/22.5GECUB, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Cuba, o arguido E foi condenado nestes autos, por sentença não transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa e de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa e em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão e de 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz um montante total de €1.050,00 (mil e cinquenta euros) (…).
Veio antes do trânsito em julgado desta sentença condenatória, requerer que o remanescente da pena de prisão a que se mostra condenado fosse executado, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância de acordo com o disposto no artigo 43º do Código Penal.
Sobre tal requerimento veio o Tribunal “a quo” a proferir o seguinte despacho:
“O arguido deve cumprir a pena em que foi condenado em prisão efetiva, sem prejuízo dos correspondentes descontos a efetuar em sede de liquidação, entende-se que se mostra assim prejudicado o conhecimento por este Tribunal de tal questão, porquanto, como se referiu, na situação vertente tal regime foi expressamente afastado”.
Inconformado com o assim decidido, o arguido A interpôs o presente recurso, onde formula as seguintes anormalmente extensas conclusões (transcrição):
1. Antes de mais, o presente recurso vem interposto do despacho, datado de 04-01-2024, proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Cuba, pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca de Beja, que decidiu indeferir o requerido pelo Arguido, por requerimento de 23-12-2023, de o remanescente da pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos ser executado em regime de permanência na habitação, na qual o mesmo se encontra, à luz do disposto no artigo 43º, nº 1, alínea b) do Código Penal.
2. Constituiu entendimento do Tribunal a quo que se mostra alegadamente prejudicado o seu conhecimento do que foi requerido pelo Arguido, por tal regime de permanência na habitação ter sido afastado na sentença condenatória datada de 11-05-2023 e por esta ter sido confirmada pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 12-09-2023 e de 10-10-2023.
3. Além disso, o Tribunal recorrido não tomou conhecimento do requerido pelo Arguido por entender que tal questão não ser da sua competência e poder antes vir a ser apreciada pelo Tribunal de Execução das Penas, enquanto modo de execução da pena de prisão se estiverem reunidos os respectivos pressupostos legais.
4. Porém, por tal entendimento adoptado pelo Tribunal recorrido improceder tanto de facto, como de Direito, não pode o mesmo merecer qualquer aplauso por banda do Recorrente.
5. Por conseguinte, como resulta do despacho recorrido, o Ministério Público opôs-se à aplicação do regime de permanência na habitação requerido pelo Arguido, pelos fundamentos da sua promoção que antecederam o despacho em crise e que foram por este dados por reproduzidos.
6. Todavia, compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente não foi até ao presente notificado da alegada promoção do Ministério Público e dos fundamentos nela adoptados, no sentido de indeferir a aplicação do regime de permanência na habitação requerido pelo Arguido, vindo, porém, tal promoção a determinar a prolação do despacho recorrido, de indeferimento do regime em apreço.
7. Assim, o Recorrente não pode deixar de salientar que ocorreu a violação do principio do contraditório e das suas garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, tendo, assim, sido cometida a nulidade insanável prevista pelo artigo 119º, alínea c) do C.P.P.
8. De todas as garantias de defesa do arguido, o princípio do contraditório, reflectido no nº 5 do preceito citado, assenta na ideia de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem em nenhuma decisão (ainda que intercalar) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada uma ampla oportunidade ao arguido de se pronunciar, como melhor se aprouver, assegurando um efectivo direito de ser ouvido.
9. Ou seja, o Arguido não foi notificado da promoção do Ministério Público nem dos fundamentos nela indicados, ocorrendo assim a preterição do direito do Recorrente a pronunciar-se sobre a promoção do Ministério do Público e dos fundamentos nela expostos.
10. Vindo, posteriormente, a promoção do Ministério Público de indeferimento da aplicação do regime de permanência na habitação, com base nos seus fundamentos, a ser acolhida na integra pelo julgador a quo na decisão de indeferimento de aplicação daquele regime, sem que o Recorrente tivesse conhecimento da mesma e sem que tivesse oportunidade de impugnar os fundamentos de tal promoção.
11. Deste modo, o vicio processual cometido pelo Tribunal recorrido traduz a nulidade insanável prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 119º, do C.P.P., equivalendo a omissão de notificação ao arguido da promoção do Ministério Público e respectivos fundamentos à ausência do arguido e defensor, na medida em que nunca foi ouvido sobre os todos os meios probatórios, nem sobre o requerimento do Ministério Público.
12. Como decidiu no Acórdão da Relação de Évora, 19-11-2019, as considerações expandidas no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, emanado do Supremo Tribunal de Justiça sobre a notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena:
“(…) Contudo, “o contraditório” não é o cumprimento de uma mera formalidade para acautelar a regularidade processual; é a garantia de que a todo o sujeito afectado por uma decisão é dada de ser previamente ouvido e de, assim, trazer ao processo os elementos necessários a essa decisão, contribuindo activamente para que o tribunal possa decidir bem. (…).”
13. No caso concreto, a omissão da notificação da promoção do Ministério Público e dos fundamentos ou documentos nela enunciados, impediu o Arguido de conhecer cabalmente os fundamentos (que vieram a ser acolhidos na decisão de indeferimento), não lhe sendo dada a oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos ou de requerer a produção dos meios de prova suplementares.
14. Consubstanciando, assim, violação do principio do contraditório e de defesa do Recorrente, acolhidos constitucionalmente, nos termos do artigo 32º, da Lei Fundamental acima transcrito (neste sentido, cf., ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2016, in www.dgsi.pt).
14. Efectivamente, como se assinalou neste o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10-10-2016, proferido no Proc. nº 1413/09.BJAPRT.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Ausenda Gonçalves, acessível in www.dgsi.pt: “(…) Trata-se de assegurar que o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mais quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o arguido, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender. (…).”.
15. Ora, perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado para a defesa, não indiferente ou neutral, funcionando o contraditório como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido, moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente o vem afirmando o Tribunal Constitucional.
16. Nesta medida, os princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo pressupõem a exigência de uma participação presencial e eficaz do arguido, tendo como condição indispensável dessa participação que seja dado prévio conhecimento ao arguido dos argumentos invocados e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público.
17. Na realidade, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido, deve ser precedida da sua audição prévia e do conhecimento por aquele da promoção do Ministério Público e dos fundamentos nela constantes, enquadrando a preterição desta formalidade como nulidade insanável, prevista no artigo 119º, alínea c) do C.P.P. e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo Tribunal enquanto a decisão que lhe suceda não transitar em julgado.
18. Nesta conformidade, como se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 30-09-2014: “(…) Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.”.
19. Como tal, a circunstância de o despacho recorrido ter sido proferido sem que o Arguido fosse notificado da promoção do Ministério Público e dos fundamentos que o mesmo adoptou e conduziram à prolação da mesma decisão, sem que o Recorrente tivesse tido a oportunidade de apresentar os seus argumentos e/ou requerer a produção de meios de prova, não pode deixar de significar a ausência processual do arguido a que alude o artigo 119º, alínea c) do C.P.P., com os efeitos que lhe são atribuídos pelo artigo 122º, nº 1 do mesmo diploma.
20. Por outro lado, constituiu entendimento do Tribunal a quo que, proferida decisão de mérito, ainda que não transitada em julgado, o seu poder jurisdicional mostra-se alegadamente esgotado, encontrando-se, neste sentido, prejudicado o seu conhecimento de tal questão por o regime de permanência na habitação requerido agora pelo Arguido já ter sido expressamente afastado pela sentença proferida no dia 11-05-2023.
21. Contudo, o processo penal não é uma realidade imutável, não se podendo descurar que o Tribunal a quo entendeu na sentença datada de 11-05-2023, que não era possível aplicar ao Recorrente o regime de permanência na habitação, porque a medida da pena em que o mesmo foi condenado, mesmo com os devidos descontos, ainda era à data (11-05-2023) superior a dois anos.
22. Além disso, em sentido contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, não se mostrando transitada em julgado a pena aplicada ao Arguido, a mesma não se encontra definitivamente fixada e o Arguido não se encontra em cumprimento da mesma, pelo que o poder decisório do Tribunal recorrido não se encontra esgotado, segundo o disposto no artigo 619º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 4º do C.P.P.
23. No caso concreto, não se mostrando ainda transitada em julgado a sentença condenatória, o facto de o regime de permanência na habitação não ter sido aplicado à data da prolação da sentença condenatória de 11-05-2023, por então não se verificarem os respectivos requisitos legais, não impedia que o Tribunal de 1ª Instância, enquanto Tribunal de Julgamento, tomasse conhecimento do regime de permanência na habitação requerido agora pelo Arguido, com fundamento no artigo 43º, nº 1, alínea b) do C.P.
24. Efectivamente, o artigo 138º, nº 2 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, delimita a competência do Tribunal de Execução das Penas, à semelhança do previsto no artigo 114º da LO.S.J., circunscrevendo-a aos âmbitos do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, bem como da modificação, substituição e extinção da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371º-A do C.P.P.
25. Assim, a modificação da execução da pena cuja competência é atribuída ao Tribunal de Execução das Penas é aquela (e só aquela) a que se referem os artigos 118º a 121º e 138º, nº 4, alínea j) do C.E.P.M.P.L.
26. Nesta medida, não se encontrando transitada em julgado a sentença condenatória de 11-05-2023, não se verifica qualquer força de caso julgado, não se encontrando o condenado em fase de cumprimento ou de execução da pena de prisão em estabelecimento prisional, pelo que o Tribunal de Execução das Penas não dispõe de competência material para apreciar e decidir o requerido regime pelo Recorrente.
27. Não se encontrando o Recorrente em cumprimento de pena de prisão, veja-se ainda o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-05-2019, proferido no Proc. nº 2895/11.3TXLSB-E.L1-5, acessível in www.dgsi.pt, com os seguintes moldes: “(…) Digamos, em conclusão, que a averiguação da pretensão do requerente e do momento processual em causa determinará a natureza do que está em causa, se se trata de decidir da possibilidade de aplicar uma pena de substituição ou das consequências de incumprimento da mesma, ou se se trata de decidir acerca do regime de cumprimento de pena, já em fase de cumprimento de execução da pena. No primeiro caso, compete ao tribunal da condenação a respectiva decisão, no segundo caso compete ao TEP.”.
28. Destarte, não se encontrando transitada em julgado a sentença condenatória e não se mostrando esgotado o poder decisório do Tribunal de 1ª Instância, este, como tribunal de julgamento ou da condenação, tinha o poder/dever de apreciar e decidir o regime de permanência na habitação requerido pelo Arguido e não o fez de modo algum.
29. Neste sentido, com as devidas adaptações, veja-se o entendimento propugnado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-05-2023, referente ao Proc. nº 82/21.1GAPCV-B.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Teixeira, onde se salienta: “(…) E constitui, em nosso entender, um poder/dever para o tribunal, na medida em que constitui um regime mais favorável para o arguido, porquanto está legalmente estipulado, não só como pena substitutiva da pena de prisão que pode ser aplicado na sentença mas também como forma de execução da pena de prisão resultante do não pagamento da multa substitutiva daquela.”.
30. Deste modo, o regime de permanência na habitação requerido pelo Arguido, enquanto regime mais favorável para o arguido, e a aplicação da Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, enquanto nova lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido, teriam que ser sempre equacionados pelo Tribunal recorrido e não o foram de modo algum, limitando-se o mesmo a remeter para o que já havia sido decidido em 11-05-2023, quando o remanescente da pena aplicada ao Recorrente ainda era superior a dois anos.
31. Por conseguinte, ainda no sentido do dever de aplicação do regime mais favorável ao Arguido, veja-se como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-06-2018, referente ao Proc. nº 14/11.5PEVIS.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Alice Santos, pesquisável in www.dgsi.pt, no qual se encontra sumariado: “(…) III – O Tribunal ao concluir que seria de revogar a suspensão de execução da pena de prisão e verificando que a mesma não era superior a dois anos de prisão deveria ter aplicado o regime mais favorável ao arguido nos termos do disposto no art. 2º, nº 4, do CP.”.
32. Posto isto, não se encontrando transitada em julgado a sentença condenatória e não se mostrando esgotado o seu poder jurisdicional, sempre o Tribunal recorrido deveria ter equacionado a aplicação do regime de permanência na habitação requerido pelo Arguido, enquanto regime penal mais favorável para o arguido e não o fez de modo algum, violando assim o disposto no artigo 2º, nº 4 do C.P.
33. Por outra banda, a nulidade consistente na omissão de pronúncia, em directa conexão com o que é disposto no artigo 379º, nº 1 alínea c) do C.P.P., verifica-se quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada por alguma das partes.
34. Com as devidas adaptações ao processo criminal e como bem se assinalou no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2020, referente ao Proc. nº 12131/18.6T8LSB.L1.S1, relatado pela Exma. Conselheira Maria do Rosário Morgado, disponível in www.dgsi.pt, é de salientar: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608º do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas (…)”
35. Neste sentido, o Recorrente invocou e requereu ao Tribunal de 1ª Instância a aplicação do regime de permanência na habitação com fundamento no disposto no artigo 43º, nº 1, alínea b) do C.P., para cumprimento pelo mesmo em tal regime do período remanescente da pena que lhe foi aplicada.
36. Ora, como evidencia o teor do despacho recorrido, esta questão não foi de modo algum apreciada, nem fundamentada à luz das normas constitucionais e legais que se consideram aplicáveis ao caso concreto.
37. Em bom rigor, não tendo o despacho recorrido abordado de qualquer modo esta questão essencial que foi submetida à sua apreciação, não pode o mesmo deixar de enfermar do vício de omissão de pronúncia.
38. Efectivamente, a aplicação do regime de permanência na habitação requerida pelo Recorrente não pode deixar de consubstanciar uma verdadeira “questão” no sentido em que a expressão é empregue nos artigos 365º, nº 3 e 379º, nº 1, alínea c), ambos da Lei Processual Penal, pelo que a sua falta de conhecimento pelo despacho recorrido não pode deixar de acarretar a sua nulidade.
39. Perante esta realidade processual, não tendo o despacho recorrido conhecido da questão que lhe foi colocada, nem a resolvendo minimamente, o mesmo padece de nulidade por omissão de pronúncia, à luz do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do C.P.P.
40. Por seu turno, tendo presente o período remanescente de prisão que resta ao Arguido cumprir, deve equacionar-se o desconto do tempo já cumprido em obrigação de permanência na habitação, sendo o remanescente da pena susceptível de ser cumprido em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, uma vez que é inferior a dois anos.
41. Neste sentido, como resulta do entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-10-2023, referente ao Proc. nº 187/22.1GAMGL-A.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Cândida Martinho, acessível in www.dgsi.pt: “(…) parece-nos evidente que se torna necessário e útil colocar a questão do desconto neste momento (no quadro da determinação da pena e não em momento posterior ao trânsito em julgado, aquando da liquidação da pena e da sua homologação), pois a proceder-se ao mesmo, o arguido poderá ainda beneficiar da possibilidade de cumprir o remanescente da pena única em Regime de Permanência na Habitação, (…), sendo como é incontroverso que o cumprimento da pena a coberto de tal regime é mais favorável do que em estabelecimento prisional.”.
42. Como dispõe o artigo 43º, nº 1 do C.P., o regime que ora se requer tem como pressuposto formal a condenação em pena de prisão efectiva não superior a dois anos ou em pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º do C.P.
43. Em ambas as hipóteses que se encontram abrangidas, é a pena de prisão efectiva que o condenado tenha que cumprir ou tenha ainda que cumprir, em resultado das operações de determinação da pena que caibam no caso concreto.
44. Assim sendo, o regime de permanência na habitação é uma medida de execução da pena de prisão não superior a dois anos ou cujo remanescente a cumprir não seja superior a dois anos, que é ainda da competência do Tribunal de julgamento, cabendo a este Tribunal decidir se tal pena de três anos é executada em estabelecimento prisional ou no regime de permanência na habitação.
45. Desta feita, como se assinalou no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22-11-2018, proferido no Proc. nº 1029/18.2PCSTB.E2, disponível in www.dgsi.pt:
“(…) o critério legal de aplicação do RPH em alternativa à execução em meio prisional, é reportado – corretamente, em nosso ver – às finalidades específicas da execução da pena de prisão tal como estabelecidas no art. 42º C. Penal, que define claramente como orientação específica da execução da pena de prisão, reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”.
46. Ora, in casu, o Arguido apresentou em audiência de julgamento um juízo crítico e de auto-censura, bem como mostrou arrependimento pelos factos que foram julgados como provados nas anteriores sentenças condenatórias.
47. Por conseguinte, no decurso da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação que lhe foi aplicada, o Arguido tem desde então mantido um comportamento adequado e totalmente cumpridor das obrigações a que está vinculado, não tendo sido registada até ao presente qualquer situação anómala.
48. Além disso, o Recorrente mantém-se social, familiar e profissionalmente inserido, beneficiando de promessa de contrato de trabalho assim que for restituído à liberdade, como resultado do facto provado 56) da sentença datada de 11-05-2023.
49. Como resulta do facto provado 52. da sentença de 11-05-2023, o casamento entre Arguido e Ofendida já se encontra dissolvido pelo seu divórcio, decretado por sentença transitada em julgado no dia 20-06-2022, proferida no âmbito do Proc. nº 1537/21.3T8BJA.
50. Bem como já se encontram reguladas as responsabilidades parentais relativas ao filho comum de ambos, de conformidade com Doc. 4 junto aos autos pelo Arguido, no requerimento que cruzou nos autos para concessão de autorização judicial de exercício de actividade profissional.
51. Assim sendo, não se pode ainda descurar que todos os crimes pelos quais o Arguido foi julgado e condenado foram sempre praticados num contexto de proximidade com a Ofendida, o qual já não se verifica atenta a alteração da residência da Ofendida para outra localidade, afastada por uma distância de 19 km´s, revelando-se assim uma forte redução no perigo de reincidência.
52. Com efeito, cite-se a este respeito o Acórdão da Relação do Porto, de 23-11-2022, proferido no Proc. nº 102/15.9PFVNG.P3, relatado pelo Exmo. Desembargador Paulo Costa, acessível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se salienta:
“(…) IV – No caso em apreço, tendo presente o disposto no artigo 43º, nº 1, al. b), do Código Penal pode concluir-se que, para efeitos de aplicação do regime de permanência na habitação, se impõe que o desconto previsto nos artigos 80º a 82º não seja relegado para ulterior fase de liquidação da pena; caso contrário, tem efeitos perniciosos e lesivos dos interesses do arguido, prejudicando-o na realização do cúmulo jurídico, quando com este se pretende beneficiar o arguido. (…).”
53. Dito isto, as condições pessoais de vida do Arguido revelam que o mesmo tem uma personalidade ainda recuperável, sendo de valorar positivamente o seu esforço no sentido de mudar de vida e de se reintegrar pessoal, laboral e socialmente.
54. Por sua vez, as necessidades de prevenção especial positiva e de reintegração do agente na sociedade, por via de regra, são melhor servidas mediante a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, salvo situações de extremo desenquadramento social, o que não sucede no caso concreto do Arguido.
55. Nesta senda, como se assinala no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05-11-2018, referente ao Proc. nº 17/16.3PFGMR.G1, disponível in www.dgsi.pt:
“(…) 2. Se apesar dos antecedentes criminais que possui, um arguido demonstra capacidade de trabalho, tem estabilidade familiar e cumpre, com avaliação positiva por parte da DGRSP, pena de prisão em regime de permanência na habitação, não deverá ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena de 1 ano e 11 meses de prisão imposta pela prática de crimes de condução sem carta e em estado de embriaguez, por tal constituir um retrocesso no esforço de reintegração social do condenado.”.
56. Na verdade, interromper a actual situação de liberdade e de inserção na sociedade em que o Arguido se encontra, com um projecto de vida totalmente estruturado, será quebrar um percurso que o mesmo está a seguir e a frustrar as vias abertas por um novo escolhido pelo mesmo, merecendo o Arguido uma oportunidade, da qual tem consciência de que não deve nem pode perder.
57. Como tal, não obstante as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, afigura-se-nos que as mesmas não impõem o cumprimento da pena de prisão pelo Arguido em meio prisional, ficando as mesmas asseguradas com o cumprimento do remanescente da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
58. Regime este a que o Arguido praticamente já se encontra sujeito na sequência do despacho anteriormente proferido no dia 11-07-2022 e que aquele vem cumprindo sem registo de quaisquer incidentes.
59. Em bom rigor, ainda que se possa invocar que as anteriores condenações sofridas pelo Arguido (que não em pena de prisão efectiva) não tenham afastado o mesmo da prática de crimes, isso não significa que se imponha o cumprimento da prisão daquele em reclusão.
60. Pelo contrário, não foi essa a opção do nosso sistema penal adoptada pela nossa Lei Penal Substantiva, a qual continua a consagrar a prisão intramuros como a ultima ratio do sistema, o que foi claramente reafirmado com as alterações de 2017, ao alargarem o âmbito de aplicação do regime de permanência na habitação, como supra exposto.
61. Na realidade, estando o Arguido no bom caminho e tendo a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação contribuído para a sua ressocialização, fazê-lo agora ingressar no meio prisional representa um retrocesso em tal processo de ressocialização, com todos os efeitos perniciosos daí decorrentes.
62. De facto, segundo o contexto socio-económico do Recorrente, pode retirar-se que o mesmo beneficia de integração familiar e social, tendo residência e meios de subsistência, bem como o amparo da sua família mais próxima.
63. Encontrando-se ainda o Recorrente a cumprir de forma empenhada e colaborante em regime de permanência na habitação que lhe foi aplicado, com abstinência ou redução relevantes do seu consumo de álcool.
64. Bem vistas as coisas, tendo presente o período remanescente da pena que lhe resta cumprir, é contraproducente aos interesses de ressocialização do Recorrente retirá-lo da sua habitação onde cumpre satisfatoriamente com as suas obrigações e inseri-lo agora em contexto prisional num Estabelecimento Prisional.
65. Nesta conformidade, o regime de permanência na habitação mostra-se assim suficiente não só para evitar que o Arguido reincida, como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
66. Permitindo-se, assim, concluir que a execução do remanescente da pena de prisão em que o Arguido foi condenado em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena, a que alude o artigo 42º do C.P.
67. Aqui chegados, uma vez que se encontram reunidos no caso concreto os pressupostos, formal e material, do regime de permanência na habitação, ao arrepio do disposto no artigo 43º, nº 1, alínea b) do C.P., deve o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão em que o Arguido foi condenado em regime de permanência na habitação.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogado o douto despacho recorrido, nos termos supra expostos, sendo determinada a aplicação ao Recorrente do regime de permanência na habitação, com sujeição a vigilância electrónica, para o cumprimento do período remanescente da pena condenatória, assim, e como sempre, se fazendo a necessária e costumada Justiça.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido A, concluindo por seu turno respectivamente (transcrição):
1. O Recorrente, não se conformando com o despacho proferido em 1ª instância que indeferiu o requerimento do arguido, no sentido de o remanescente de a pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos, ser executado em regime de permanência na habitação, vem pedir o reexame da matéria de direito.
2. Alega em síntese que foi violado o princípio do contraditório e das garantias constitucionais de defesa do arguido, uma vez que não foi este notificado da promoção do Ministério Público que antecedeu o despacho que indeferiu a aplicação do regime de permanência na habitação, cometendo-se uma nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal.
3. Mais alega que não se mostra esgotado o poder decisório do Tribunal de 1ª instância, que tinha o dever/poder de apreciar e decidir o regime de permanência na habitação requerido pelo arguido, nos termos do disposto no art. 619º do Código de Processo Civil, “ex vi” art. 4º do Código Penal, enquanto regime penal mais favorável ao arguido, violando assim o art. 2º, nº 4 do Código Penal.
4. Alega ainda que o despacho recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal.
5. Alega por fim que estão verificados todos os pressupostos legais finalidades visadas para a aplicação do regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no art. 42º e 43º, nº 1, al. b), do Código Penal, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão em que o arguido foi condenado em regime de permanência na habitação.
6. O Ministério Público adere por inteiro ao douto despacho recorrido.
7. Na verdade, tendo o Tribunal concedido a oportunidade do contraditório ao Ministério Público, enquanto defensor da legalidade e dos interesses do arguido, foi acautelado tal princípio, assim como as garantias de defesa do arguido, tendo sido posteriormente o arguido notificado da decisão, com respeito ao seu requerimento.
8. Por outro lado, caso o tribunal não se tivesse já pronunciado sobre a questão suscitada, ocorreria de facto uma nulidade por omissão de pronúncia, por não haver menção relativamente ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o que no caso não se verificou.
9. Conforme resulta da sentença proferida em 11-05-2023 pelo Tribunal a quo, a pena de substituição a que se refere o artigo 43º do Código Penal foi expressamente equacionada nos seguintes termos: «Consigna-se que não é possível a pena de prisão aplicada ao arguido ser executada em regime de permanência na habitação, porquanto é superior a 2 anos, ainda que efetuados os descontos, nos termos do disposto no artigo 43º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal» - cf. pág. 41 da sentença.
10. Entendeu o tribunal a quo que, tendo sido proferida decisão de mérito sobre a questão suscitada, ainda que não transitada em julgado, o poder jurisdicional esgotou-se naquele momento.
11. Tendo sido a questão objeto de apreciação de mérito pelo tribunal recorrido e, por esse motivo, esgotando aí o poder decisório do mesmo, tendo sido inclusive justificado no despacho recorrido o porquê de se mostrar esgotado neste caso o poder jurisdicional do tribunal a quo, não se deu qualquer omissão de pronúncia no despacho recorrido.
12. No tocante à verificação dos pressupostos legais e as finalidades visadas para a aplicação do regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no art. 42º e 43º, nº 1, al. b), do Código Penal, tal foi apreciado e decidido na sentença datada de 11-05-2023.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, o que se requer aos Venerandos Desembargadores,
Assim sendo feita a costumada Justiça.

Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido apresentado resposta pugnando o arguido nos precisos termos do recurso interposto.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que as questões suscitadas são as seguintes:
- Nulidade do despacho recorrido por violação artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, por violação do princípio do contraditório e das garantias constitucionais de defesa do arguido, uma vez que não foi este notificado da promoção do Ministério Público que respondeu ao requerimento por si apresentado e antecedeu o despacho que indeferiu a aplicação do regime de permanência na habitação.
- Nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, sobre o regime penal mais favorável ao arguido, nos termos do artigo 2º, nº 4 do Código Penal, por ainda não se mostrar esgotado o poder decisório do Tribunal de 1ª instância sobre a questão relativa à aplicação da pena de substituição de obrigação de permanência na habitação.
- Que se encontram verificados todos os pressupostos legais e finalidades visadas para a aplicação do regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no artigo 42º e 43º, nº 1, alínea b), do Código Penal, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão em que o arguido foi condenado, em regime de permanência na habitação.

2 - Apreciando e decidindo:

Do despacho de 04-01-2024, ora recorrido, resulta:
“Requerimento do arguido de 23-12-2023:
Consigna-se que A esteve preso preventivamente à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde 31-05-2022 até 11-07-2022, data em que se procedeu à substituição da medida de prisão preventiva pela medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada através da utilização de meios técnicos de controlo à distância, a qual se mantém inalterada até à data (cf. última revisão em 08-11-2023).
Ao abrigo do disposto no artigo 43º, nº 1, alínea b) do C.P., veio o arguido requerer que o remanescente da pena de prisão em que foi condenado (1 ano, 7 meses e 4 dias) seja executado em regime de permanência na habitação, situação na qual o mesmo se encontra conforme supra se aludiu.
O M.P. opôs-se à pretensão do arguido, pelos fundamentos constantes na promoção que antecede e que se dão por reproduzidos.
Resulta dos autos que por sentença datada de 11-05-2023, ainda não transitada em julgado, o arguido foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica contra B, na pena de 3 anos de prisão efetiva.
Ora, entende o Tribunal que proferida decisão de mérito, ainda que não transitada em julgado, o poder jurisdicional mostra-se esgotado.
Só assim não seria caso o Tribunal não se tivesse já pronunciado sobre a questão suscitada, ocorrendo nulidade por omissão de pronuncia, por não haver menção expressa relativamente ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o que no caso não se verifica.
Antes, e conforme resulta da sentença proferida em 11-05-2023, a pena de substituição ou regime de execução de pena de prisão a que se refere o artigo 43º do Código Penal foi expressamente equacionada pelo Tribunal da condenação nos seguintes termos: «Consigna-se que não é possível a pena de prisão aplicada ao arguido ser executada em regime de permanência na habitação, porquanto é superior a 2 anos, ainda que efectuados os descontos, nos termos do disposto no artigo 43º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal» - cf. pág. 41 da sentença.
Decisão que foi integralmente confirmada pelos acórdãos da Relação de Évora de 12-09-2023 e de 10-10-2023, e que, segundo se retira das conclusões, não foi nessa parte posta em causa pelo arguido.
Decidido se mostra que o arguido deve cumprir a pena em que foi condenado em prisão efetiva, sem prejuízo dos correspondentes descontos a efetuar em sede de liquidação, entende-se que se mostra assim prejudicado o conhecimento por este Tribunal de tal questão, porquanto, como se referiu, na situação vertente tal regime foi expressamente afastado.
O que o arguido eventualmente poderá ter direito, transitada em julgada a sentença, e descontado o tempo já sofrido em regime de permanência na habitação em sede de liquidação, é que tal questão possa vir a ser apreciada pelo TEP, enquanto modo de execução da pena de prisão, verificados que estejam os respetivos pressupostos.
Termos em que se indefere o requerido pelo arguido.
(…)”.

Apreciando:
- Nulidade do despacho recorrido por violação artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, por violação do princípio do contraditório e das garantias constitucionais de defesa do arguido, uma vez que não foi este notificado da promoção do Ministério Público que respondeu ao requerimento apresentado e antecedeu o despacho que indeferiu a aplicação do regime de permanência na habitação.
Vem o arguido A invocar a nulidade do despacho recorrido, porquanto o mesmo refere uma anterior promoção do Ministério Público, da qual não foi notificado e, consequentemente não tendo exercido o seu direito ao contraditório e, consequentemente, sido violadas as suas garantias constitucionais de defesa, equivalente à ausência de defensor nos termos do disposto no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.
Dos autos resulta, que o arguido em 23-12-2023 veio a juntar aos autos um requerimento sobre a possibilidade por si vislumbrada de assim, alterar uma decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, que se havia pronunciado concretamente sobre tal questão.
Perante tal requerimento foi dada oportunidade ao Ministério Público para se pronunciar sobre o mesmo, o que fez nos termos que teve por conveniente.
No despacho judicial, ora recorrido, a Juiz pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelo arguido e, referiu que o Ministério Público foi ouvido, como defensor da legalidade e dos interesses do arguido, em promoção junta aos autos e por tal do conhecimento do arguido, porque junto aos autos.
Vem então o arguido invocar a nulidade do despacho recorrido, porque não exerceu o contraditório sobre tal resposta do Ministério Público.
Tal posicionamento, é de todo incompreensível e fora de toda a dinâmica processual penal, defendendo uma forma de paralisação de todo o processado, com a sequência de requerimento-resposta - resposta à resposta - resposta à resposta da resposta – resposta à resposta da resposta da resposta e por aí fora, infinitamente.
Isto em pleno século XXI, no tempo dos apelos à simplificação processual, da celeridade processual e do redução do tamanho das peças processuais que os meios informáticos e a inteligência artificial vieram a tornar inesgotáveis, isto quando todas as peças processuais se encontram juntos aos autos, em processo físico ou digital e, não resultando da lei a obrigatoriedade dessa notificação.
É pois, óbvio e manifesto, que não é legalmente exigível a notificação do arguido da resposta do Ministério Público, ao requerimento por si apresentado, desde logo porque não existe pronunciamento por imposição legal do arguido sobre o mesmo e por ter conhecimento dessa mesma resposta pela simples consulta dos autos.
Por tudo o exposto e sem necessidade de mais ou outros considerandos, porque despiciendos, não existe nos autos qualquer violação do exercício do contraditório pelo arguido, constitucionalmente garantido no artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, não comporta o despacho recorrido qualquer nulidade insanável prevista no artigo 119º, do Código de Processo Penal, nomeadamente, a ausência do Defensor do arguido numa situação que a lei exige a sua comparência.
Improcede, pois, nesta parte o recurso interposto.

- Da nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, sobre o regime penal mais favorável ao arguido, nos termos do artigo 2º, nº 4 do Código Penal, por ainda não se mostrar esgotado o poder decisório do Tribunal de 1ª instância sobre a questão relativa à aplicação da pena de substituição de obrigação de permanência na habitação.
Analisando, então, a motivação e as conclusões do recurso interposto pelo arguido A, desde logo, cumpre afirmar que a omissão de pronúncia invocada não constitui uma verdadeira omissão no sentido de ausência de pronúncia sobre a questão suscitada, apenas configura discordância sobre a forma de pronúncia sobre essa mesma questão.
A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o Tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o Tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão (Ac. STJ de 09-02-2012, Proc. 131/11.1YFLSB).
A pronúncia cuja omissão determina a nulidade da sentença, deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos, é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do Tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Assim, a omissão de pronúncia sobre os factos alegados no requerimento apresentado, questão suscitada no recurso interposto, foram alvo de pronúncia expressa no sentido “Resulta dos autos que por sentença datada de 11-05-2023, ainda não transitada em julgado, o arguido foi condenado, além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica contra B, na pena de 3 anos de prisão efetiva.
Ora, entende o Tribunal que proferida decisão de mérito, ainda que não transitada em julgado, o poder jurisdicional mostra-se esgotado.
Só assim não seria caso o Tribunal não se tivesse já pronunciado sobre a questão suscitada, ocorrendo nulidade por omissão de pronúncia, por não haver menção expressa relativamente ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, o que no caso não se verifica.
Antes, e conforme resulta da sentença proferida em 11-05-2023, a pena de substituição ou regime de execução de pena de prisão a que se refere o artigo 43º do Código Penal foi expressamente equacionada pelo Tribunal da condenação nos seguintes termos: «Consigna-se que não é possível a pena de prisão aplicada ao arguido ser executada em regime de permanência na habitação, porquanto é superior a 2 anos, ainda que efectuados os descontos, nos termos do disposto no artigo 43º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal» - cf. pág. 41 da sentença.”.
Atendendo a que, aquando da prolação da sentença já foi tido em consideração o eventual cumprimento da pena de prisão em regime de permanência de habitação, o qual foi afastado pelos fundamentos de facto e de direito constantes da mesma decisão.
Por outro lado, resulta do disposto no artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil (aplicável “ex vi” do disposto no artigo 4º, do Código de Processo Penal), que: “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
Ressalvadas as possibilidades de alteração consagradas no artigo 380º do Código de Processo Penal, nomeadamente a retificação de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades cuja eliminação não importe uma modificação essencial, fora destes casos específicos constantes deste dispositivo legal, a sentença penal não pode ser alterada pelo tribunal que a proferiu.
Um dos efeitos fundamentais da decisão final, é o da sua irrevogabilidade, que decorre do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria decidida.
O juiz não pode, por sua iniciativa ou a requerimento, alterar a decisão que proferiu, nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.
Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro, para ele a decisão fica sendo intangível.
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se “Miguel Teixeira de Sousa - Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFLL Editora, págs.- 626-627”.
A razão doutrinal explica-se porque o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa e a razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.
Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem, assim, dois efeitos: um positivo - traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu - e um negativo - representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Certo é, que a pretensão do arguido, embora conhecida pela sentença recorrida, não o foi nos precisos termos em que enunciados pelo recorrente, mas nos termos em que o Tribunal “a quo” entendeu que a mesma devia ser apreciada, ou seja, de forma completamente dissonante dos argumentos invocados pelo recorrente, porém, esta discordância não configura qualquer pretensa omissão e consequente nulidade.
O Tribunal “a quo” ponderou, conheceu e decidiu todas as questões fulcrais colocadas com relevância para a decisão de mérito, apenas não o fazendo perante conjecturas, opiniões, determinados raciocínios ou pontos de vista, nem andou “à deriva” equacionando todas as hipóteses susceptíveis de virem a acontecer, nem conheceu dos interesses particulares do arguido, porque contrários à lei no momento da prolacção da sentença.
Ainda, na mesma senda, na precisão da abrangência do conceito de omissão de pronúncia, o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes, sublinha: "Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado nº 2, do artigo 608°, do Código de Processo Civil."
Em conformidade, afigura-se que, foi efectivamente apreciada na sua globalidade a questão suscitada pelo recorrente na seu requerimento, na medida em que o podia ser, uma vez que o poder jurisdicional sobre a mesma estava esgotado, tendo remetido para a sentença proferida Ainda que não transitada em julgado, onde havia sido feita a apreciação que entendeu se impunha fazer e, nos termos em que o fez, não se tendo deixado de abordar de forma expressa, naquela, os aspectos que o aqui recorrente incluiu na motivação do seu recurso, por forma a que dúvida não restasse quanto à fixação dessa questão e à sua valoração.
No entanto, o recorrente conclui pela omissão de pronúncia, que no seu entendimento ainda não é a suficiente e, provavelmente nunca o será enquanto contrária, à tese que pretende fazer vingar nos autos e ao protelamento do cumprimento da sentença proferida.
O despacho proferido não enferma de qualquer omissão de pronúncia, pois atentando em que, por um lado, se pronunciou acerca de todo o objecto do requerimento, remetendo para a sentença transitada e onde havia tratado a questão suscitada e, por outro lado, onde o fez de forma cabal, não tendo a obrigatoriedade de convergir com o entendimento do recorrente sobre essa mesma questão e, muito menos, que tivesse de fundamentar a sua divergência com o conhecimento da questão apresentada pelo recorrente, não violando por tal, qualquer garantia de defesa do arguido, nos termos do disposto nos artigos 2º, 3º, 13º, 18º, 20º, nº 4, 27º, nº 1, 29º, nº 1, 32º, 202º, 203º, 204º e 205º, da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso apresentado pelo arguido A, não se verificando qualquer omissão de pronúncia, que constitua nulidade nos termos do disposto nos artigos 97º, nº 1, alínea b) e nº 5, 120º, nº 2, alínea d), 379º, nº 1, alínea c) e nº 2 410º, nº 3, do Código de Processo Penal.

- Que se encontrem verificados todos os pressupostos legais e finalidades visadas para a aplicação do regime de permanência na habitação, de acordo com o disposto no artigo 42º e 43º, nº 1, alínea b), do Código Penal, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão em que o arguido foi condenado, em regime de permanência na habitação.
Cumpre afirmar que a substituição da pena de 3 anos de prisão a que o arguido/recorrente se encontra condenado por outro que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão em regime de permanência na habitação, não consta naturalmente do despacho recorrido, ou seja, a questão suscitada sobre a substituição da pena de prisão não havia foi apreciada pelo tribunal “a quo”, no despacho ora recorrido, apenas na sentença proferida, que nesta parte foi confirmada por decisões deste Venerando Tribunal da Relação de Évora.
“O recurso ordinário é um recurso de renovação, visa a renovação da discussão, substituindo a decisão recorrida por outra”, (Germano Marques da Silva – Direito Processual Penal Português, pág. 315).
“Os recursos são o caminho legal para corrigir os erros cometidos na decisão judicial penal, portanto o instrumento que permite provocar a reapreciação da substância dessa mesma decisão” (Recursos em Processo Penal – 7º Ed., pág. 24).
Na verdade, constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, razão pela qual está vedado a este Tribunal “ad quem” pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que a fazê-lo incorreria em nulidade por excesso de pronúncia, artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Por estes mesmos motivos, não pode este tribunal de recurso pronunciar sobre a suscitada questão da eventual substituição da pena de prisão pela obrigação de permanência na habitação nos termos do disposto no artigo 43º, do Código Penal.
Improcedendo por falta de fundamento legal, o recurso interposto, nesta parte.

Por tudo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, improcede o recurso interposto pelo arguido A, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido A, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A e, em consequência, confirmar na integra o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 23-04-2024
Fernando Pina
Beatriz Borges
Maria Perquilhas